Aureliano Torquato Brandão, Cláudio Alberto Iglesias Rosa, Gustavo Alcoforado Franco Lima, Marcos Roberto de Menezes
Na investigação inicial, em outro serviço, realizou ultra-sonografia de abdome, que evidenciou "lesões hepáticas", as quais foram submetidas a punção aspirativa por agulha fina, cujo resultado foi inconclusivo. Evoluiu sem melhora do quadro clínico e como complicação do procedimento apresentou abscesso de parede.
Em seguida foi encaminhado para o HC-FMUSP, sendo submetido a exames de ultra-sonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética de abdome.
Diagnóstico: Brucelose hepática.
Achados de imagem
À ultra-sonografia observam-se vários nódulos hipoecogênicos, heterogêneos e bem delimitados, alguns apresentando foco hiperecogênico central.
À tomografia computadorizada de abdome esses nódulos são hipoatenuantes, com calcificações centrais, apresentando tênue realce anular tardio após a injeção do meio de contraste endovenoso.
À ressonância magnética evidenciam-se nódulos com hipossinal na seqüência ponderada em T1 e hipersinal na seqüência ponderada em T2, havendo realce heterogêneo após a injeção do meio de contraste endovenoso.
COMENTÁRIOS
A brucelose, também conhecida como febre de Malta, febre ondulante ou febre do mediterrâneo, é uma doença causada por um cocobacilo Gram negativo do gênero Brucella, de distribuição universal, sendo encontrado como hospedeiro em uma grande variedade de animais silvestres ou rurais.
O contágio humano pode ocorrer de diversas formas, sendo que as principais são a cutânea e a oral. Assim, a população mais acometida envolve veterinários e trabalhadores de frigoríficos e de ordenha.
Uma vez ocorrido o contágio, a Brucella sp é fagocitada e transportada a linfonodos, onde ocorre sua replicação. Esta é a fase aguda da brucelose, clinicamente caracterizada por febre, calafrios, cefaléia, fadiga, sudorese, anorexia e emagrecimento, período que pode durar até dois meses após a infecção.
Após essa etapa, há disseminação hematogênica, preferencialmente para fígado, ossos e coração, constituindo a fase subaguda da doença, que pode durar de dois meses a um ano.
A resposta imunológica não é suficiente para eliminar o patógeno, desenvolvendo-se abscessos nesses órgãos-alvo.
Os abscessos hepáticos na brucelose são raros (há apenas 41 casos relatados na literatura) e incaracterísticos, cabendo diversos diagnósticos diferenciais (abscesso piogênico, amebiano, por micobactérias, metastático, dentre outros). Em nenhum dos casos relatados isolou-se a Brucella sp em culturas de aspirado do fígado ou em hemocultura.
Na fase crônica (após um ano de infecção) formam-se, em meio aos abscessos, granulomas centrais constituídos por macrófagos contendo o patógeno fagocitado e calcificações que representam cicatrizações das reativações anteriores. Essas lesões, apesar de não serem patognomônicas, são características no fígado, tanto à ultra-sonografia como à tomografia computadorizada e ressonância magnética, descritas em todos os 41 casos relatados na literatura.
Havendo a suspeita radiológica de acometimento hepático, deve-se realizar o teste de aglutinação específico para brucelose, pois é o único método diagnóstico de certeza.
O tratamento da brucelose hepática não é simples, sendo necessária a associação medicamentosa com intervenção cirúrgica das lesões, pois apenas a exérese dos granulomas permite terapêutica eficaz, uma vez que pode haver reativação da doença, dependendo do estado imunológico do paciente.
Assim, por se tratar de acometimento raro, de difícil diagnóstico e de necessária terapêutica cirúrgica, os exames radiológicos são fundamentais para orientar o diagnóstico e tratamento adequados da brucelose hepática.
REFERÊNCIAS
1. Cosme A, Barrio J, Ojeda E, Ortega J, Tejada A. Sonogrphic findings in brucellar hepatic abscess. J Clin Ultrasound 2001;29:109-11.
2. Pons JC, Teyssau H, Bureau M, Ruiz R, Surzur J, Tessier JP. Hepatic calcifications in isolated necrotizing, granulomatous hepatitis due to Brucella. A case report and review of the literature. J Radiol 1981;62:521-5.
3. Sisteron O, Souci J, Chevallier P, Cua E, Bruneton JN. Hepatic abscess caused by Brucella. US, CT and MRI findings: case report and review of the literature. Clin Imaging 2002;26:414-7.
4. Halimi C, Bringard N, Boyer N, et al. Hepatic brucelloma: 2 cases and a review of the literature. Gastroenterol Clin Biol 1999;23:513-7.
5. Colmenero J de D, Queipo-Ortuno MI, Maria Reguera J, et al. Chronic hepatosplenic abscesses in Brucellosis. Clinico-therapeutic features and molecular diagnostic approach. Diagn Microbiol Infect Dis 2002;42:159-67.
6. Ariza J, Pigrau C, Canas C, et al. Currrent understanding and management of chronic hepatosplenic suppurative brucellosis. Clin Infect Dis 2001;32: 1024-33.
7. Sadia Perez D, Cea-Calvo L, Aguado Garcia MJ, Ruiz Ilundain G, Lopez Martin A, Gonzalez Gomez C. Brucella hepatic abscess. Report of a case and review of the literature. Rev Clin Esp 2001;201: 322-6.
Endereço para correspondência
Dr. Aureliano Torquato Brandão
E-mail: atbrandao@hotmail.com
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP.