Augusto Henriques Fulgêncio Brandão1; Alexandre Simão Barbosa2; Ana Paula Brum Miranda Lopes2; Henrique Vitor Leite3; Antônio Carlos Vieira Cabral4
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar possíveis diferenças entre a disfunção endotelial, avaliada pela dilatação fluxo-mediada, e hiperperfusão central, avaliada por dopplerfluxometria da artéria oftálmica, entre pacientes portadoras da forma precoce e tardia da pré-eclâmpsia. MATERIAIS E MÉTODOS: O teste de dilatação fluxo-mediada e a dopplerfluxometria da artéria oftálmica foram obtidos de 81 gestantes, sendo 56 portadoras de pré-eclâmpsia (26 na forma precoce e 30 na forma tardia) e 25 gestantes saudáveis (grupo controle). RESULTADOS: Portadoras de pré-eclâmpsia apresentaram valores menores de dilatação fluxo-mediada quando comparadas ao grupo controle, tanto na forma precoce (7,62 ± 5,42% × 14,12 ± 6,14%; p = 0,02) como na forma tardia (5,83 ± 4,12% × 14,12 ± 6,14%; p = 0,00). Não houve diferença quando foram comparadas as duas formas (7,62 ± 5,42% × 5,83 ± 4,12%; p = 0,09). A dopplerfluxometria da artéria oftálmica apresentou-se significativamente menor nas pacientes portadoras de pré-eclâmpsia quando comparadas ao grupo controle, tanto na forma precoce (0,631 ± 0,024 × 0,737 ± 0,032; p = 0,01) como na forma tardia (0,653 ± 0,019 × 0,737 ± 0,032; p = 0,03). Não houve diferença entre as duas formas de apresentação (0,631 ± 0,024 × 0,653 ± 0,019; p = 0,12). Os resultados basicamente demonstram redução nos valores de dilatação fluxo-mediada e dopplerfluxometria da artéria oftálmica nas formas tardia e precoce da pré-eclâmpsia quando comparadas ao grupo controle, sem, contudo, diferenças significativas entre as duas formas de apresentação da doença. CONCLUSÃO: Os resultados indicam a presença de disfunção endotelial e hiperperfusão central em gestantes com pré-eclâmpsia, tanto na forma precoce como na tardia.
Palavras-chave: Pré-eclâmpsia; Dilatação fluxo-mediada; Artérias oftálmicas.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To identify possible differences between endothelial dysfunction evaluated by brachial artery flow-mediated dilation and central hyperperfusion evaluated by dopplerfluxometry of ophthalmic artery in women with early- and late-onset preeclampsia. MATERIALS AND METHODS: Flow-mediated dilation testing and dopplerfluxometry of ophthalmic artery were performed in 81 patients (26 with early preeclampsia, 30 with late preeclampsia, and 25 normotensive pregnant women – control group). RESULTS: As compared with the control group, patients with preeclampsia presented lower values of flow-mediated dilation, both in cases of early preeclampsia (7.62 ± 5.42% × 14.12 ± 6.14%; p = 0.02) and in cases of late preeclampsia (5.83 ± 4.12% × 14.12 ± 6.14%; p = 0.00). No statistically significant difference was observed between early- and late-onset preeclampsia (7.62 ± 5.42% × 5.83 ± 4.12%; p = 0.09). Values for dopplerfluxometry of ophthalmic artery were significant lower in patients with preeclampsia as compared with the control group, both in cases of early preeclampsia (0.631 ± 0.024 × 0.737 ± 0.032; p = 0.01) and in cases of late preeclampsia (0.653 ± 0.019 × 0.737 ± 0.032; p = 0.03). Again, no statistically significant difference was observed between early- and late-onset preeclampsia (0.631 ± 0.024 × 0.653 ± 0.019; p = 0.12). Basically, the results demonstrate a decrease in values for dopplerfluxometry of ophthalmic artery in patients with early and late presentations of preeclampsia as compared with the control group, although with no statistically significant difference between the two presentations of the disease. CONCLUSION: The present results indicate the presence of endothelial dysfunction and central hyperperfusion in patients with early- and late-onset preeclampsia.
Keywords: Preeclampsia; Flow-mediated dilation; Ophthalmic arteries.
INTRODUÇÃO A pré-eclâmpsia (PE) é uma síndrome de etiologia multifatorial, responsável pela maior parcela de mortalidade materna e fetal no mundo(1). A disfunção endotelial é apontada como o evento fisiopatológico que consegue explicar as manifestações clínicas e as complicações da síndrome, desde o aumento da pressão arterial até a hiperperfusão do sistema nervoso central(2,3). O endotélio vascular é uma estrutura parácrina capaz de, entre várias funções, controlar o tônus arterial mediante a liberação de fatores vasoativos, particularmente o óxido nítrico, que age promovendo vasodilatação da túnica muscular(4). Este mecanismo assume importância maior na gestação, uma vez que o potencial de dilatação arterial é essencial para acomodar o aumento da volemia materna e permitir a adequada perfusão placentária. A dilatação fluxo-mediada (DFM) da artéria braquial é um teste ultrassonográfico que permite avaliar indiretamente a função endotelial. O exame baseia-se na capacidade de dilatação arterial em resposta a um estímulo hipoxêmico transitório induzido(5,6). A hiperperfusão central é consequência da perda de capacidade de autorregulação de fluxo das artérias do sistema nervoso central. Têm como evolução o desenvolvimento de edema cerebral, causa direta das crises convulsivas tônico-clônicas que caracterizam a eclâmpsia(7). A dopplerfluxometria das artérias oftálmicas, por meio da diminuição do índice de resistência da artéria oftálmica (IRAO), indica o acometimento das artérias centrais que culmina na hiperperfusão(8). Uma classificação que divide a PE em relação ao período de aparecimento dos sintomas foi proposta, sendo definidas a forma precoce — com aparecimento antes de 34 semanas de gestação — e a forma tardia — com aparecimento depois de 34 semanas(9). Esta classificação encontra substrato fisiopatológico quando se avaliam diferenças entre as formas quanto à placentação deficitária(10) e o estado hemodinâmico materno(11). O acometimento endotelial e a hiperperfusão encefálica podem apresentar comportamentos distintos em relação às formas precoce e tardia da PE. O objetivo do presente estudo foi, através do teste da DFM e da análise espectral do Doppler da artéria oftálmica, verificar o comportamento da função endotelial e do fluxo encefálico em gestantes portadoras de PE, divididas entre formas precoce e tardia. MATERIAIS E MÉTODOS Pacientes Neste estudo transversal, participaram 81 gestantes, sendo que 56 eram portadoras de PE sem nenhuma outra comorbidade e 25 eram gestantes saudáveis, pareadas por idade e número de gestações. Das 56 gestantes portadoras de PE, 30 eram acometidas pela forma tardia da síndrome e 26, pela forma precoce. O diagnóstico de PE foi realizado segundo os critérios definidos pelo National Hight Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Pregnangy, 2000. Segundo esta classificação, a PE é definida como elevação da pressão arterial após 20 semanas de gestação (níveis pressóricos > 140 × 90 mmHg em duas medidas com intervalo de seis horas), acompanhada pela presença de proteinúria (1+ ou mais na medida de proteinúria de fita ou proteinúria 24 horas > 0,3 g(12). Foram excluídas pacientes portadoras de comorbidades como hipertensão arterial crônica, doença renal, doença coronariana e doenças infecciosas. Os casos de gestações gemelares, com fetos malformados ou com alteração do crescimento fetal, também foram excluídos, assim como as pacientes tabagistas e as usuárias de drogas e medicamentos à base de nitrito. Estas são situações sabidamente associadas a lesão endotelial. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). As pacientes selecionadas para participarem do estudo foram informadas no momento da coleta e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Após o consentimento, as pacientes foram submetidas ao exame da DFM da artéria braquial. DFM da artéria braquial A técnica de avaliação da DFM da artéria braquial foi realizada utilizando-se aparelho de ultrassonografia com Doppler colorido Medison Sonoace 8800 com sonda linear de 4 a 8 MHz. As pacientes foram colocadas em repouso por 15 minutos em decúbito dorsal. Realizou-se a medida da pressão arterial de todas as gestantes e a artéria braquial foi identificada medialmente na fossa antecubital do membro superior dominante. Uma imagem do vaso foi obtida a aproximadamente 5 cm do cotovelo do membro superior, e realizado um corte longitudinal (modo B) durante o momento de menor distensão do vaso, que corresponde à diástole cardíaca, sendo obtida através do resgate de imagens pelo cine loop do equipamento. A imagem foi congelada para obtenção da média de três medidas do calibre do vaso (D1). Após esta primeira aferição, o manguito do esfigmomanômetro, posicionado proximalmente ao local da medida da artéria braquial, foi insuflado por cinco minutos até uma pressão superior a 250 mmHg, e posteriormente desinsuflado vagarosamente. A média de três novas medidas do calibre do vaso foi obtida com a mesma técnica descrita anteriormente, após um minuto da desinsuflação do manguito (D2). O valor da DFM foi obtido através do cálculo da seguinte fórmula: DFM (%) = [(D2 — D1)/D1] × 100, onde: D1 = diâmetro basal; D2 = diâmetro pós-oclusão. Todos os exames foram realizados sempre por um mesmo profissional do HC-UFMG, treinado e certificado em ultrassonografia. Dopplerfluxometria das artérias oftálmicas O Doppler orbital colorido foi obtido por examinador treinado, que desconhecia as informações clínicas das pacientes. Os exames foram realizados utilizando um Doppler colorido de alta-resolução Medison 8800 com transdutor linear de 7,5 MHz aplicado nos olhos fechados cobertos com gel de metilcelulose. Os exames foram realizados com as pacientes em decúbito dorsal, com duração média de cinco minutos. Uma avaliação completa dos vasos da órbita foi obtida, identificando-se a artéria oftálmica e seus ramos. A artéria oftálmica foi estudada em seu ramo anterior, aproximadamente 10 mm da parede posterior da esclera, em localização nasal em relação ao nervo óptico. O IRAO foi obtido do olho direito das pacientes, após um ciclo de, no mínimo, três ondas semelhantes consecutivas. A Figura 1 ilustra dois exames, obtidos de paciente normotensa e paciente portadora de PE.