Raphael Reis Pereira-Silva1; Débora Esperancini-Tebar2
RESUMO
Embora utilizado amplamente na terapia do transtorno bipolar, o lítio pode acarretar efeitos adversos nos rins. A importância do estudo é relatar o caso de uma mulher de 59 anos que fazia uso regular do carbonato de lítio para transtorno bipolar e que em exames de imagem foram visualizados múltiplos microcistos renais, sugerindo-se como hipótese principal a nefropatia por lítio.
Palavras-chave: Nefropatia por lítio; Microcistos renais; Transtorno bipolar.
ABSTRACT
Although widely used in the management of bipolar disorder, lithium may cause adverse kidney effects. The importance of the present study is to report the case of a 59-year-old woman who was under regular treatment with lithium for bipolar disorder and whose imaging studies demonstrated the presence of multiple renal microcysts, suggesting lithium nephropathy as main diagnostic hypothesis.
Keywords: Lithium nephropathy; Renal microcysts; Bipolar disorder.
INTRODUÇÃO Desde 1970, quando aprovado pela U. S. Food and Drug Administration, o lítio passou a ser usado amplamente na terapia do transtorno bipolar(1). Atualmente, este é o medicamento de escolha para essa enfermidade, usado para prevenir recorrências e minimizar o risco de suicídio. Sua administração é eficaz em reduzir drasticamente os sintomas depressivos e maníacos em 70-80% dos casos(2). Embora seus benefícios sejam comprovados, o uso do lítio pode acarretar efeitos adversos associados ao aparelho urinário, ao sistema endócrino e neurológico(1). Diversos estudos têm demonstrado complicações renais associadas ao lítio, como diabetes insípido nefrogênico, acidose tubular renal, nefrite tubulointersticial e síndrome nefrótica(1). Parece haver uma relação direta entre a progressão da nefropatia induzida por lítio e o tempo de uso da droga(3), que pode se agravar com o emprego simultâneo de outros fármacos potencialmente nefrotóxicos. Além disso, idade avançada, episódios prévios de intoxicação por lítio e presença de comorbidades, como hipertensão, diabetes melito, hiperparatireoidismo e hiperuricemia, costumam potencializar o risco(4). O tratamento com lítio é a principal causa de diabetes insípido nefrogênico induzido por drogas, afetando 10% dos pacientes com mais de 15 anos de uso(5). O quadro clínico correlacionado com dados laboratoriais poderá, na maior parte dos casos, fornecer os subsídios para o diagnóstico. Em algumas situações, quando os sintomas são atípicos, uma biópsia poderá ser necessária. Porém, recentemente, com o uso crescente das técnicas de imagem, alguns estudiosos têm demonstrado a importância destes exames no diagnóstico e acompanhamento dessas entidades. As principais manifestações clínicas da nefropatia induzida por lítio incluem polidipsia e poliúria, que alertam para essa possibilidade diagnóstica(1). Diante de um contexto clínico adequado, a identificação em exames de imagem de diversos microcistos, menores do que 2,0 mm, simetricamente distribuídos em rins de tamanho normal, sugere o nexo de causalidade(1). Um estudo recente que envolveu pacientes em uso de lítio demonstrou, ao estudo ultrassonográfico, a presença de numerosos microcistos renais e um padrão de focos hiper-refringentes não produtores de sombra acústica posterior(1). Esses pontos hiperecogênicos não tiveram correlação estreita com os achados de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), porém considera-se a possibilidade de traduzirem alterações iniciais dos microcistos(1). Correlacionando essas alterações pelos métodos de imagem com o estudo histopatológico da nefrite tubulointersticial induzida por lítio, nota-se a presença de microcistos no túbulo distal e fibrose intersticial(1,6). A presença de cistos renais engloba uma série de anormalidades congênitas e adquiridas. Sua diferenciação poderá ser feita pela localização e morfologia dos cistos, idade do paciente, tamanho dos rins e grau de função renal(7). A doença renal policística autossômica dominante apresenta-se, na RM, com rins de tamanho aumentado, com múltiplos cistos de tamanho e intensidades variáveis, e em 70-75% das vezes há associação com cistos hepáticos(7). A doença glomerulocística é rara, acomete sobretudo crianças e adultos jovens e se apresenta com pequenos cistos distribuídos exclusivamente na cortical renal e, algumas vezes, associada a insuficiência renal(7). A doença cística medular é caracterizada por insuficiência renal crônica, redução da espessura cortical, cistos na medular e na junção corticomedular(7). A doença cística adquirida ocorre pelo desenvolvimento de cistos em pacientes com insuficiência renal crônica ou que estejam realizando diálise. Os rins são pequenos e os cistos apresentam tamanhos variados distribuídos no córtex e na medula renal(7). A análise cuidadosa dos achados de imagem correlacionados com dados clínicos fornece subsídios para o diagnóstico da nefropatia por lítio. RELATO DO CASO Mulher, 59 anos, com quadro de dor abdominal inespecífica há uma semana, quando foi submetida a TC de abdome. O estudo demonstrou rins de tamanho normal, apresentando múltiplas pequenas imagens císticas intraparenquimatosas (Figura 1). Foi então realizada RM para melhor avaliar esses microcistos (menores do que 2,0 mm), que se apresentavam com hipossinal na sequência ponderada em T1, hipersinal em T2 e que não se impregnavam pelo meio de contraste paramagnético, distribuídos tanto na cortical quanto na medular de ambos os rins (Figura 2).