Aparecido Ferreira de Oliveira1; Henrique Manoel Lederman2; Nildo Alves Batista2
RESUMO
OBJETIVO: Investigar a aprendizagem sobre gestão da tecnologia (uso eficiente, compras e manutenção de equipamentos de diagnóstico por imagem) na residência em radiologia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, procurando o aprimoramento da formação do radiologista. MATERIAIS E MÉTODOS: Pesquisa exploratória, com abordagem quantitativa e qualitativa junto a residentes, docentes e preceptores do programa, utilizando-se questionários no formato Likert (46) e aprofundamento com entrevistas gravadas (18) e categorização a partir das unidades de significado (análise temática). RESULTADOS: Dos participantes do estudo, 66% concordam haver a oportunidade de aprendizado sobre a utilização dos equipamentos radiológicos, para 61% o programa deveria contemplar o aprendizado da importância da compra dos equipamentos e 72% são enfáticos em afirmar a inexistência do aprendizado sobre o gerenciamento da manutenção dos equipamentos. CONCLUSÃO: O programa de residência médica, como principal momento formativo na especialidade, fornece ao residente um ambiente propício ao aprendizado das habilidades necessárias ao futuro exercício profissional, mas com ênfase restrita à gestão da tecnologia: uso eficiente, compras e principalmente manutenção de equipamentos, ainda pouco explorados. Assim como o programa investigado, a residência médica em radiologia poderia incorporar, dentro do possível, o compromisso com o treinamento de habilidades complementares de gestão de equipamentos, ampliando a competência dos futuros radiologistas.
Palavras-chave: Educação médica; Residência médica; Gestão em saúde; Tecnologia radiológica; Radiologia; Diagnóstico por imagem.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To investigate the learning about management of the technology (efficient use, acquisition and maintenance of imaging diagnosis equipment) in the radiology residency program of Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, with a view to improving the education of radiologists. MATERIALS AND METHODS: Exploratory research where residents, faculty staff and tutors of the program were quantitative and qualitatively approached with Likert scale questionnaires (46), and deepening with recorded interviews (18) and categorization based upon meaning units (thematic analysis). RESULTS: Among the participants, 66% agreed that they had the opportunity of learning about the use of radiological equipment; for 61% the program should include knowledge on the importance of acquiring equipment; and 72% emphasized the lack of learning about equipment management and maintenance. CONCLUSION: As the major moment in the education of specialists, the medical residency program provides residents with a favorable environment to the learning of the skills required to the future of their professional practice, but with limited emphasis on the management of the technology: efficient use, acquisition and mainly maintenance of equipment, still poorly explored. Both the investigated program and the medical residency in radiology should incorporate, whenever possible, the commitment with the training in supplementary skills related to equipment management, developing the competence of the future radiologists.
Keywords: Medical education; Medical residency; Health management; Radiologic technology; Radiology; Imaging diagnosis.
INTRODUÇÃO A radiologia é uma especialidade de apoio diagnóstico e terapêutico, cujos procedimentos demandam atuação multiprofissional integrada e complementar, incorporando complexos processos e tecnologias de ponta, com grande investimento em equipamentos, técnicas e insumos, cabendo ao radiologista aliar os conhecimentos técnico-científicos aos administrativos para o efetivo desempenho de seu papel. Na prática, o radiologista manuseia equipamentos modernos e sofisticados, utilizando programas computadorizados. A tecnologia da informação trouxe a era digital, interligando equipamentos com as imagens e laudos, armazenados em computadores e distribuídos sem limites de tempo e localidade. A radiologia digital revolucionou o cotidiano da prática radiológica, impondo desafios de redução do custo do investimento inicial pelo aumento da produtividade e da qualidade das imagens. Para Azevedo-Marques et al.(1), a informação radiológica em formato digital transita de modo consistente, confiável e automático no ambiente hospitalar e fora dele, desde que respeitados os protocolos de segurança da informação. Caritá et al.(2) enfatizam que "Os sistemas de comunicação e armazenamento de imagem (Picture Archiving and Communication Systems - PACS) já se tornaram a opção tecnológica preferida para as tarefas de transmissão, armazenamento e visualização de dados na área de diagnóstico por imagem." Os autores ainda afirmam que este sistema permite a recuperação de imagens baseadas em conteúdo (content-based image retrieval - CBIR), criado para extrair as características das imagens armazenadas no servidor PACS e indexá-las para posterior recuperação por similaridade (PACS-CBIR). Silva et al.(3) complementam que "O sistema PACS exige a padronização do formato das imagens e necessita de mais dois sistemas: de Informação em Radiologia (Radiology Information Systems - RIS) e de Informação Hospitalar (Hospital Information Systems - HIS), que são sistemas administrativos que dão suporte ao registro do paciente, emissão de laudo, documentação do exame, entre outros." O DICOM (digital imaging and communications in medicine) foi o padrão adotado para comunicação e armazenamento de imagens médicas e as informações associadas, sendo amplamente utilizado, diferenciando-se dos demais formatos de imagens, como JPEG, TIFF, GIF, dentre outros, por permitir que as informações dos pacientes sejam armazenadas juntamente com a imagem, de forma estruturada, apesar de basear-se no formato JPEG, comprimido ou não. Outras tecnologias vêm sendo associadas ao DICOM, permitindo melhor interligação entre os sistemas, como a implementação do worklist. Outro padrão de integração entre os sistemas é o HL7 (health level 7), que tem o objetivo de simplificar a implementação de interfaces entre diferentes aplicações computacionais de fabricantes concorrentes(4). Santos et al.(5) acrescentam que o PACS pode também ser usado como recurso didático, tanto presencial como a distância, possibilitando que estudantes possam interagir com as imagens nos seus processos de aprendizagem. Chan(6) enfatiza que a residência em radiologia deveria permitir a prática das habilidades gerenciais de liderança, trabalho em equipe, discussão, análise e decisão sobre questões técnicas que afetam a prática radiológica. A residência médica é uma modalidade de ensino especializado, funcionando em instituições de saúde credenciadas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), criada pelo Decreto 80.281/77(7), sob a orientação de médicos de elevada qualificação ética e profissional, conferindo ao final do programa o título de especialista, conforme a Lei 6.932/81(8). Os requisitos mínimos para o credenciamento de programas de residência em radiologia foram definidos pela CNRM na Resolução 4/83(9). Boechat et al.(10) comentam que "No Brasil, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) criou normas e critérios para o credenciamento de programas de residência médica e o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) estabeleceu requisitos mínimos para que os serviços pudessem oferecer treinamento nesta especialidade." Ainda comentando sobre a residência em radiologia, afirmam que "o médico residente, ao final do seu treinamento, deve estar capacitado a utilizar, de forma crítica, todos os recursos que o permitirão continuar o aperfeiçoamento ao longo de sua vida profissional." Para Silva et al.(11), os "Avanços tecnológicos e científicos da área de radiologia e diagnóstico por imagem permitem a qualificação profissional pela aquisição de novas competências e habilidades durante a residência médica e cursos de especialização de acordo com as aptidões e expectativas dos alunos, desde que oportunidades sejam oferecidas para que estes possam adquiri-las." Assim, cabe à residência preparar o futuro profissional para conhecer a tecnologia do cotidiano da especialidade, constituindo-se numa competência ampliada do radiologista. Neste sentido, agregar habilidades complementares, como as relacionadas com o processo de seleção, escolha, aquisição e manutenção dos equipamentos, considerando suas aplicações diagnósticas, os custos envolvidos, a atualização e substituição tecnológica, contribuem para a tomada de decisão, planejamento e organização dos serviços de radiologia. Tudo isto implica num caráter multiprofissional da força de trabalho, envolvendo não só os radiologistas, como também as áreas de apoio direto (enfermagem, tecnólogos, técnicos e equipe administrativa) e as de suporte como engenharia biomédica e tecnologia da informação, agregando esforços e práticas focadas em objetivos institucionais compartilhados. Frente a este panorama, algumas perguntas surgem: Como a residência em radiologia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) está preparando os residentes em relação à gestão dos recursos tecnológicos necessários na prática radiológica? Quais são os pontos positivos e os limites para este aprendizado? O objetivo desta pesquisa foi investigar, a partir de residentes, docentes e preceptores de radiologia, a aprendizagem sobre a gestão de recursos tecnológicos na residência em radiologia da EPM-Unifesp, procurando subsídios para o aprimoramento da formação do médico radiologista. MATERIAIS E MÉTODOS O Programa de Residência Médica em Radiologia analisado tem duração de três anos, com 12 vagas para o primeiro ano (R1), 12 para o segundo (R2) e 12 para o terceiro (R3), contando com um docente supervisor, uma coordenadora de ensino e pesquisa, dois preceptores chefes e 11 preceptores de setor, distribuídos entre abdome, cabeça e pescoço, musculoesquelético, mama, pediatria, tórax, medicina fetal, pronto-socorro, intervenção e neurologia. Participa também da formação do residente todo o staff do departamento, composto pelos docentes, cinco médicos colaboradores, técnicos administrativos em educação e participantes do programa de atualização profissional. Optou-se por uma pesquisa de caráter exploratório, com abordagens quantitativa e qualitativa, desenvolvida em 2011, junto ao universo de residentes, preceptores e docentes atuantes no Programa, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp. Na primeira etapa, 46 sujeitos da pesquisa (75,40%), dos 61 que compunham o universo analisado, responderam a uma escala atitudinal no formato Likert, composta por 11 assertivas, das quais três referentes à temática deste artigo. Amaro et al.(12) comentam que a escala Likert apresenta uma série de cinco proposições, das quais o inquirido deve selecionar uma: concorda totalmente, concorda, sem opinião, discorda, discorda totalmente a respeito de assertivas relacionadas com o objeto pesquisado. Os dados obtidos foram tabulados e transformados em gráficos. Como estratégia de aprofundamento na coleta dos dados, procedeu-se, numa segunda etapa, a uma entrevista com roteiro composto por sete questões, duração média de 10 minutos e número de participantes conforme critérios de uma pesquisa qualitativa, ou seja, relevância e reincidência de informações e saturação dos dados. Isso ocorreu após a 18ª entrevista. Após transcrição na íntegra, os dados foram submetidos a uma análise temática (núcleos de sentido), uma das técnicas de análise de conteúdo, conforme preconizada por Minayo(13): ordenação dos dados após leitura do material obtido, identificação e estabelecimento das unidades de contexto (do qual faz parte a mensagem), identificação das unidades de registro (palavra, frase ou oração) referente ao objeto analisado e agrupamento destas unidades em categorias de análise. RESULTADOS Dos nove docentes disponíveis, cinco participaram da pesquisa (55,5% da categoria), todos do sexo masculino, com idade entre 44 e 59 anos e tempo médio de docência de 20 anos. Os 14 preceptores têm idade média de 51 anos, sendo 10 do sexo masculino (71%) e 4 do sexo feminino (29%), com 86% deles formados em escolas públicas e 14% em escolas privadas. Sete preceptores informaram o tempo de preceptoria, com variação média de 19,5 anos. Do total de 27 residentes participantes, 10 eram R1, 7 eram R2 e 10 eram R3, sendo 70% do sexo masculino e 30% do feminino. Com idade média de 27 anos, dos 10 R1, 60% eram do sexo masculino e 40% do feminino, 70% graduados em escola pública e 30% em escola privada, formados entre seis meses a um ano e dez meses. Entre os sete R2, a idade média foi 28 anos, com 86% do sexo masculino e 14% do feminino, seis eram egressos de escola pública e um de escola privada, com formação entre um ano e meio a cinco anos e meio. Já os 10 R3 tinham idade média de 29 anos, sendo 7 do sexo masculino e 3 do feminino, 90% tendo concluído a graduação em escola pública e 10% em escola privada, formados entre dois anos e meio a sete anos e meio. Mais da metade (66%) dos docentes, preceptores e residentes do programa investigado concordam haver a oportunidade de aprender como utilizar com eficiência os equipamentos radiológicos (Figura 1): "você aprende a lidar com eficiência, aprende a manipular os equipamentos e quando utilizar cada equipamento." E11 e "ele tem condições, tem possibilidade e oportunidade de aprender e tirar do aparelho radiológico o que ele tem de melhor." E13. No entanto, 32% deles discordam: "eu acho que é uma falácia ou é um equívoco, a maioria dos entrevistados acreditarem que têm a oportunidade de aprender como utilizar com eficiência." E17; "não tem como aprender a utilizar com eficiência." E16.