Sr. Editor,
Mulher, 54 anos, portadora de lúpus eritematoso sistêmico, nefrite lúpica, síndrome antifosfolípide e trombose venosa profunda, usando anticoagulante oral, corticoide, imunossupressor. Hematomas espontâneos de repetição (razão normalizada internacional entre 2 e 3). Há 20 meses com tuberculose miliar pulmonar, tratada por um ano. Dados clínicos revistos após os achados mamográficos (Figura 1): a paciente referia hematoma espontâneo recente à esquerda, com áreas nodulares palpáveis e equimose no quadrante superolateral. Ultrassonografia (Figura 2) mostrou correspondência com distorção arquitetural, nódulo hipoecogênico, irregular, de margens indistintas no quadrante superolateral (6,0 × 3,0 cm), sem fluxo ao Doppler, e imagens sugestivas de cistos oleosos. Inicialmente indeterminada, a lesão foi considerada provavelmente benigna, sugestiva de esteatonecrose, provavelmente associada aos anticoagulantes e hematoma. Para evitar biópsia, decidiu-se por acompanhamento.
Figura 1. A: Mamografia na incidência mediolateral oblíqua direita e esquerda de rastreamento há dois anos com calcificações puntiformes esparsas e vasculares bilaterais (BI-RADS 2).
B,C: Mamografias atuais nas incidências mediolateral oblíqua
(B) e craniocaudal da mama esquerda
(C) apresentando assimetria global na mama esquerda (a mama direita mantinha achados anteriores), associada a calcificações grosseiras distróficas no quadrante superolateral, com padrão atípico para esteatonecrose.
Figura 2. Ultrassonografia da mama esquerda demonstrando área de distorção da arquitetura, associada a nódulo hipoecogênico, irregular e com margens indistintas, que atenua as ondas de ultrassom, sem fluxo ao estudo Doppler, adjacente a nódulos redondos, circunscritos, com sombra acústica posterior, com aspecto de cistos oleosos.
Frequentemente, a esteatonecrose é silenciosa, surgindo apenas como achado mamográfico anormal, e raramente pode se manifestar como massa palpável sem achados mamográficos associados. Comumente é secundária a trauma incidental ou iatrogênica, podendo ocorrer em pacientes em uso de anticoagulante ou mesmo nas sem história relevante.
A mamografia é o exame mais importante na avaliação da esteatonecrose, e esta, dependendo do estágio e da quantidade de fibrose, apresenta-se como cisto oleoso e também como achados que simulam malignidade: áreas espiculadas hiperdensas, nódulos associados a retração cutânea, calcificações grosseiras ou microcalcificações agrupadas. Estes dois últimos e a assimetria global foram os achados dominantes aqui
(1–3).
Na ultrassonografia há várias apresentações, algumas mais sugestivas de benignidade, como hiperecogenicidade no subcutâneo (principalmente associada a trauma) ou banda ecogênica dentro de cisto oleoso com orientação decúbito-dependente. Na apresentação como nódulo hiperecogênico é necessário analisar outras características sugestivas de benignidade ou malignidade, como orientação paralela ou perpendicular, forma, margens, ausência ou presença de sombra acústica posterior e o compartimento em que se encontra
(2,3). Aqui, a apresentação como nódulo hipoecogênico permeado de cistos oleosos reforça a benignidade, mas as margens indistintas poderiam levantar suspeita de malignidade. A evolução mais comum é de coalescência de calcificações grosseiras e normalização da hiperecogenicidade do subcutâneo, desenvolvimento de áreas anecogênicas e transformação de lesões complexas para císticas. Porém, as lesões podem crescer ou ficar sólidas. Na dúvida, a punção aspirativa de fluido oleoso pode ajudar e a biópsia ficaria reservada se houvesse punção de fluido sanguinolento
(1–3).
Mastite lúpica, que ocorre em 2% dos portadores de lúpus eritematoso sistêmico, poderia ser considerada. Pode se apresentar como nodulações palpáveis associadas a calcificações progressivamente maiores e mais grosseiras à mamografia, refletindo evolução da paniculite focal para esteatonecrose, ocasionalmente associada a linfonodomegalia axilar
(4–6).
Tuberculose mamária seria outra possibilidade, porém a paciente negava dor, comum nesses casos. Na mamografia, a textura estromal grosseira (padrão mais comum), sinais de retração de pele, ou ainda o raro, porém mais específico sinal da fístula associado a protuberância cutânea, não ocorreram aqui
(7,8).
Na suspeita de esteatonecrose, a correlação clínica é importante, pela apresentação variável dessas lesões, principalmente na ultrassonografia, mas também na mamografia, conforme demonstrado. Aqui, a correlação tornou-se evidente pela presença de comorbidades, ampliando diagnósticos diferenciais.
REFERÊNCIAS
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