O acometimento do sistema respiratório é bastante frequente no curso da esclerose sistêmica (ES) e pode afetar todos os seus componentes, incluindo parênquima, vasculatura, vias aéreas, pleura e tecido muscular
(1). Entretanto, as formas mais comuns e que causam maiores repercussões clínicas são a doença pulmonar intersticial (DPI) e a hipertensão arterial pulmonar, que podem ser diagnosticadas em até 90% e 60% dos casos, respectivamente
(1,2). A presença de lesão pulmonar é um fator determinante na qualidade de vida desses pacientes e, atualmente, representa a principal causa de mortalidade na ES, especialmente quando é estabelecido o diagnóstico de DPI
(1). A DPI-ES tem início insidioso, com sintomas clínicos sutis, o que explica o motivo pelo qual a doença pulmonar é muitas vezes diagnosticada em estágio avançado, quando extensa fibrose pulmonar já está presente. Estratégias direcionadas para identificar o risco de DPI-ES no início do curso da doença são fundamentais, já que poderão propiciar a introdução precoce da terapêutica
(3).
A importância em diferenciar os padrões histológicos na DPI-ES está no prognóstico, uma vez que este é melhor nos casos de pneumonia intersticial não específica e pior nos casos de pneumonia intersticial usual
(2). Entretanto, na prática clínica, a realização rotineira de biópsia pulmonar não é recomendada, ficando reservada para apresentações clínicas e tomográficas atípicas
(2). Neste número da
Radiologia Brasileira, Bastos et al.
(4) fazem uma interessante revisão na qual salientam a importância da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) e discutem os principais padrões tomográficos da doença pulmonar na ES. A TCAR, em conjunto com os testes de função pulmonar, desempenha um papel crítico na avaliação do tratamento e prognóstico da DPI-ES
(5). A TCAR é mais precisa na diferenciação entre as anormalidades das vias aéreas e as alterações que ocorrem no parênquima, permitindo ainda a avaliação quantitativa da doença pulmonar
(3,5,6–8). É considerada o método padrão ouro na investigação da DPI-ES, com sensibilidade > 90%, uma vez que as avaliações clínica e funcional apresentam acurácias bem menores. De fato, mais de 60% dos casos com DPI-ES diagnosticada pela TCAR apresentam testes de função pulmonar normais, o que indica um desempenho ruim destes testes no rastreamento da DPI
(3).
Mas, afinal, qual é o papel da TCAR no manejo da doença pulmonar na ES? Apesar de o faveolamento ser um indicador de mau prognóstico
(2), o principal marcador de má evolução é a extensão da doença, que, quando combinada com a deterioração da função pulmonar, define melhor o prognóstico
(1). A ausência de achados compatíveis com fibrose na TCAR inicial de pacientes com ES é altamente preditiva de uma TCAR “livre de fibrose” no seguimento desses pacientes, e quando se avalia a extensão da doença, a presença de mais de 20% de fibrose no exame inicial está associada com uma taxa anual elevada de progressão da fibrose, declínio na função pulmonar e desenvolvimento de hipertensão arterial pulmonar
(3). Conforme apontado no estudo de Bastos et al.
(4), há também um interesse cada vez maior em identificar os pacientes com ES e doença rapidamente progressiva, já que esses pacientes têm um risco elevado de progressão da DPI e, portanto, necessitam de intervenção o mais precocemente possível. Isso torna o uso da TCAR extremamente atraente no acompanhamento da DPI-ES. Entretanto, o uso frequente de radiação ionizante é uma questão de crescente preocupação, especialmente nessa população que já possui um risco aumentado de neoplasias, conforme comentado no estudo de Bastos et al.
(4). Assim, novas técnicas de imagem, como a ultrassonografia do tórax, a redução do número de cortes da TCAR ou o uso da TC com baixa dose de radiação estão sendo propostas como opções para resolver esse problema
(9). Mais recentemente, a ressonância magnética tem demonstrado ser uma técnica com potencial para detectar e classificar a DPI-ES, apresentando boa correlação com a TCAR (
r = 0,85;
p < 0,001). Entretanto, o uso da ressonância magnética ainda é limitado a determinados casos em que se busca evitar ao máximo a radiação ionizante
(9,10). Aliado a esse problema, o uso, em breve, de drogas antifibróticas como a pirfenidona
(11) no arsenal terapêutico da ES aumentará, ainda mais, o desafio dos radiologistas na procura de um método ideal para o seguimento desses pacientes. Afinal, viver é enfrentar desafios, e a arte de praticar a medicina traz novos desafios a cada dia!
REFERÊNCIAS
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3. Hoffmann-Vold AM, Aaløkken TM, Lund MB, et al. Predictive value of serial highresolution computed tomography analyses and concurrent lung function tests in systemic sclerosis. Arthritis Rheumatol. 2015;67:2205–12.
4. Bastos AL, Corrêa RA, Ferreira GA. Padrões tomográficos da doença pulmonar na esclerose sistêmica. Radiol Bras. 2016;49:316–21.
5. Salaffi F, Carotti M, Di Donato E, et al. Computer-aided tomographic analysis of interstitial lung disease (ILD) in patients with systemic sclerosis (SSc). Correlation with pulmonary physiologic tests and patient-centred measures of perceived dyspnea and functional disability. PLoS One. 2016;11:e0149240.
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9. Pinal-Fernandez I, Pineda-Sanchez V, Pallisa-Nuñez E, et al. Fast 1.5 T chest MRI for the assessment of interstitial lung disease extent secondary to systemic sclerosis. Clin Rheumatol. 2016. [Epub ahead of print].
10. Guimaraes MD, Hochhegger B, Koenigkam-Santos M, et al. Magnetic resonance imaging of the chest in the evaluation of cancer patients: state of the art. Radiol Bras. 2015;48:33–42.
11. Khanna D, Albera C, Fischer A, et al. An open-label, phase II study of the safety and tolerability of pirfenidone in patients with scleroderma-associated interstitial lung disease: the LOTUSS trial. J Rheumatol. 2016. [Epub ahead of print].
Doutor, Professor Adjunto de Pneumologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
agnaldolopes.uerj@gmail.com