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ARTIGO ORIGINAL

Um novo método de avaliação do "tempo esofágico" com ultra-sonografia por abordagem externa

A new method for evaluating the esophageal transit time with external approach by ultrasonography

Makoto Sakate, Altamir Santos Teixeira, Seizo Yamashita, Thais Ricardo Medeiros, Pedro Gabriel da Silva, Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry



RESUMO

OBJETIVO: Utilizar a ultra-sonografia como método de avaliação do "tempo esofágico" e sua capacidade de discriminação entre as substâncias não-sólidas ingeridas (água e iogurte). MATERIAIS E MÉTODOS: Foram estudados 22 adultos jovens, sem queixa gástrica e esofágica, de ambos os sexos. Foi utilizado transdutor de ultra-som de 3,5 MHz, convexo, em modo B, colocado na região epigástrica. O intervalo de tempo esofágico foi determinado utilizando-se um cronômetro que foi acionado no momento da movimentação da glote (início da deglutição) e interrompido ao se visualizar a passagem do conteúdo deglutido no esôfago intra-abdominal. RESULTADOS: O tempo médio de trânsito para a água foi de 6,64 ± 1,83 segundos e para o iogurte foi de 8,59 ± 2,70 segundos. A análise estatística comparativa pelo teste t pareado mostrou que as médias apresentaram diferenças significativas entre as substâncias. CONCLUSÃO: O novo método experimental de avaliar o "tempo esofágico" com ultra-som é capaz de propiciar diferenças significativas do tempo necessário para um determinado alimento (líquido ou pastoso) percorrer o esôfago, esclarecendo as suspeitas clínicas e possibilitando a indicação mais precisa de exames clínicos mais complexos.

Palavras-chave: Ultra-sonografia, Tempo esofágico, Esôfago intra-abdominal

ABSTRACT

OBJECTIVE: To utilize ultrasonography for evaluating the esophageal transit time as well as the esophagus capability of differentiating among non-solid substances ingested (water and yoghurt). MATERIALS AND METHODS: Twenty-two young adults of both sexes with no gastric or esophageal complaint were evaluated, with a B-mode 3.5 MHz, convex transducer placed over the epigastric area. The esophageal transit time was determined by means of a chronometer activated when the deglutition was initiated (glottic movement), and stopped upon visualization of the bolus through the intra-abdominal esophagus. RESULTS: The mean esophageal transit time for water was 6.64 ± 1.83 sec, and 8.59 ± 2.70 sec for yoghurt. The comparative statistical analysis by a t-paired test has demonstrated statistically significant differences between the mean esophageal transit times for the two substances. CONCLUSION: This new experimental method for evaluating the esophageal transit time by ultrasonography demonstrates significant differences in the time required for a determined liquid or pasty food passing through the esophagus, elucidating clinical suspicions and allowing a more precise indication for further, more complex clinical studies.

Keywords: Ultrasonography, Esophageal transit time, Abdominal esophagus

Endereço para correspondência

 

INTRODUÇÃO

A medicina tem evoluído muito nas últimas décadas, com exames cada vez mais complexos sendo desenvolvidos e incorporados na área de imagens, porém de difícil acesso social em razão do seu elevado custo. Exames de imagens são realizados nos hospitais, por exemplo, radiografia do tórax, e tem-se sugerido a necessidade de melhor seleção em razão da alta incidência de exames normais (70%(1) a 77%(2)). Estudo foi realizado utilizando outros métodos de exames complementares, como a técnica de esvaziamento gástrico por meio de ultra-sonografia(3), para evitar que os pacientes sejam expostos à radiação ionizante de forma excessiva.

Para avaliação inicial das queixas esofágicas são utilizadas, rotineiramente, radiografias do esôfago contrastado, manometria, cintilografia, ultra-sonografia intra-esofágica, todas com as suas indicações precisas(4-8). Para o estudo do trânsito esofágico são indicadas a radioscopia e a cintilografia(9-11). Entretanto, esses exames expõem os pacientes, em maior ou menor grau, à radiação ionizante, mesmo com implemento rotineiro de controle de garantia de qualidade(12).

No sentido de reduzir a exposição à radiação ionizante tem-se utilizado a manometria, a endoscopia e a ultra-sonografia intra-esofágica. Essas técnicas possibilitam o estudo do peristaltismo, de lesões de mucosa e de doenças que comprometem a espessura da parede e adjacências do esôfago, porém são exames invasivos.

Existe uma preocupação em encontrar outros métodos de avaliação mais rápida do esôfago e com maior regularidade de execução, que precedam um estudo inicial de queixas esofágicas leves para que possam direcionar melhor o exame complementar mais complexo.

"Tempo esofágico" é considerado o intervalo de tempo necessário para que o conteúdo deglutido percorra o esôfago até o estômago. O tempo esofágico, no presente estudo, é medido entre o momento da movimentação da glote (introdução do conteúdo bucal no início do esôfago) até a visualização da passagem do conteúdo deglutido, no esôfago intra-abdominal, observado pelo ultra-som. Não encontramos, na literatura, estudos semelhantes com a ultra-sonografia.

Este estudo experimental tem os seguintes objetivos: a) utilizar a ultra-sonografia como método de avaliação do tempo esofágico; b) estimar a sua capacidade de discriminação entre substâncias líquida (água) e pastosa (iogurte) ingeridas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados 22 voluntários jovens e sadios, de ambos os sexos, com idade entre 19 e 26 anos (média de 21,64 ± 2,08 anos), peso entre 48 e 82 kg (média de 62,18 ± 8,84 kg) e altura entre 155 e 184 cm (média de 167 ± 8,89 cm). Os critérios de exclusão dos voluntários para o experimento incluíram indivíduos que apresentavam sintomas relacionados ao tubo digestivo alto ou doenças que poderiam interferir na obtenção dos dados.

O aparelho de ultra-sonografia utilizado foi o Toshiba Sonolyer série SSH 140 A/G (Toshiba; Tóquio, Japão), empregando-se transdutor semiconvexo de 3,5 MHz, mantido na sala de exames com temperatura controlada (22ºC). O cronômetro utilizado foi o Seiko 3 BAR (Seiko; Tóquio, Japão) que registra até centésimo de segundo.

Foi utilizada água mineral à temperatura ambiente da sala de exame de ultra-som em um volume aproximado de 20 ml para cada voluntário. O iogurte utilizado estava a uma temperatura aproximada de 5ºC, mantido na geladeira, e cada voluntário recebeu um volume aproximado de 20 ml (20 gramas).

Cada voluntário estudado estava em jejum de no mínimo três horas e foi colocado na mesa de exame, em decúbito dorsal, após ter recebido água na cavidade bucal, expondo a região epigástrica. Em seguida, o examinador, com o cronômetro na mão esquerda, posicionou o dedo mínimo dessa mão sobre a epiglote, e a mão direita, segurando o transdutor de ultra-som, sobre a região lateral esquerda do apêndice xifóide.

O feixe de ultra-som foi direcionado cranialmente até localizar o esôfago intra-abdominal. Em seguida, foi solicitado ao voluntário para deglutir, e assim que o examinador sentiu o movimento da glote foi disparado o cronômetro, sendo este interrompido ao se visualizar, pelo ultra-som, a passagem do conteúdo deglutido no esôfago intra-abdominal.

Após o registro do tempo cronometrado e com um intervalo aproximado de 30 minutos, o mesmo voluntário recebeu iogurte, retornando à posição de decúbito dorsal, e o procedimento foi repetido (Figuras 1 e 2).

 

 

 

 

Os 44 valores de tempo esofágico foram obtidos constituindo dois "tratamentos" pareados, com os 22 voluntários formando um par de valores de tempo esofágico após cada voluntário receber água e iogurte.

Todos os voluntários selecionados assinaram o termo de consentimento livre e foram esclarecidos e informados do método do estudo, sendo este aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde se desenvolveu a pesquisa.

Para analisar a homogeneidade do experimento em relação ao sexo, foi feita comparação das médias do tempo esofágico em relação à água e ao iogurte, separadamente, utilizando-se o teste t bicaudal, uma vez que, a priori, não se tem qualquer sugestão da direção da diferença.

A comparação entre tempo esofágico com ingestão de água ou iogurte foi feita por meio do teste t pareado monocaudal(13), diante da hipótese de que a ingestão de substâncias menos fluidas forneça tempo esofágico maior. Foi utilizado o nível de 5% de significância para os testes e foram estabelecidos intervalos de confiança de 95% para a média do tempo esofágico da água e do iogurte.

 

RESULTADOS

Com relação ao tempo esofágico, o menor valor obtido com ingestão de água foi de 3,74 segundos e com ingestão de iogurte foi de 4,71 segundos, e os maiores valores obtidos foram, respectivamente, de 9,85 segundos e 16,66 segundos. Em quatro casos o tempo esofágico foi maior com a ingestão de água.

Não encontramos diferença significativa do tempo esofágico em relação ao sexo dos voluntários (tágua = 0,8576, gl = 20, p = 0,4012; tiogurte = 0,6031, gl = 20, p = 0,5532).

O tempo esofágico médio para a água foi de 6,64 ± 1,83 segundos e para o iogurte foi de 8,59 ± 2,70 segundos (Tabela 1).

 

 

A análise da diferença (iogurte-água) entre os tempos esofágicos indicou que o tempo médio com ingestão de água foi estatisticamente inferior em relação à ingestão de iogurte (t = 2,9905, gl = 21, p = 0,0039).

 

DISCUSSÃO

No presente experimento os voluntários não tiveram dificuldade em manter a água ou o iogurte na cavidade bucal. Foi possível a realização de todos os passos da pesquisa em ambiente tranqüilo da sala de exames em todos os indivíduos. O esôfago intra-abdominal foi acessível e de localização fácil ao ultra-som, possibilitando a sua visualização e a passagem da água e do iogurte no seu interior.

Foi possível determinar o tempo esofágico com o auxílio do cronômetro em todos os casos, medido entre o momento em que o cronômetro foi acionado no início da deglutição da água ou do iogurte, até a visualização destes ao passarem pelo esôfago intra-abdominal. Este estudo foi realizado em todos os pacientes, sem dificuldades, em posição confortável, de maneira simples e rápida.

O método revelou a sua capacidade de discriminar o tempo esofágico da água, que foi estatisticamente mais rápido do que o do iogurte (p < 0,0039), demonstrando que ambas as substâncias possuem tempos definidos de passagem pelo esôfago e que podem ser utilizadas como triagem inicial para avaliar afecções que alteram o peristaltismo desse órgão e, conseqüentemente, retardo na passagem pelo esôfago do conteúdo deglutido pelo paciente.

A avaliação do esôfago torácico, por via externa, com ultra-sonografia fica prejudicada em razão da dificuldade de acesso, tanto pelo mediastino anterior quanto pelo posterior; isto se deve à presença de ar nos pulmões e de tecido ósseo na coluna vertebral dorsal, que são estruturas que impossibilitam o acesso adequado da onda sonora, com exceção do segmento posterior à aorta e ao coração(14). O esôfago cervical, em virtude de sua situação lateralizada em relação à traquéia, é possível de ser avaliado com ultra-som, graças à sua proximidade com a superfície e a interposição de tecido mole como o lobo tireoidiano esquerdo(15). O segmento intra-abdominal do esôfago é possível de ser localizado com facilidade, em razão da sua posição posterior ao lobo esquerdo do fígado, que atua como uma "janela" de acesso ao ultra-som (órgão relativamente homogêneo que afasta as alças intestinais com gases)(16-19).

Com o advento de novas tecnologias surgiram aparelhos que possibilitam a avaliação do esôfago, tais como a medicina nuclear, a endoscopia com fibra ótica, a manometria com pH-metria e a ultra-sonografia endoscópica. Todos evidenciam a localização e os aspectos anatômicos e funcionais do esôfago(20-22), porém são invasivos ou utilizam radiação ionizante, com equipamentos de alto custo.

O presente estudo possibilitou uma avaliação menos invasiva, mais econômica e provavelmente mais disponível para os pacientes em relação aos exames radiográficos ou cintilográficos do esôfago, uma vez que o método necessita apenas de um aparelho de ultra-som convencional e cronômetro para ser reproduzido.

 

CONCLUSÃO

O novo método experimental de avaliar o tempo esofágico determinado pelo ultra-som por abordagem externa é técnica simples, não-invasiva, sem radiação ionizante e que propicia informações importantes. Ele nos informa sobre diferenças do tempo necessário para um determinado alimento (líquido ou pastoso) percorrer o esôfago. É um processo simples de ser realizado, importante para avaliação inicial de doenças que podem afetar o esôfago, facilmente disponível e sem contra-indicações. É um método seguro, confiável, discriminativo e inclusive para o paciente no seu leito (domiciliar ou hospitalar) ou nos ambulatórios, permitindo avaliação e resultados rápidos, com custo-benefício a contento.

 

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Endereço para correspondência:
Dr. Makoto Sakate
Rua Aleixo Varoli, 651, Jardim Paraíso
Botucatu, SP, Brasil, 18610-295
E-mail: msakate@fmb.unesp.br

Recebido para publicação em 17/11/2007. Aceito, após revisão, em 6/5/2008.

 

 

* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Botucatu, SP, Brasil.


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