Marília Tavares Christóvão1; Tarcísio Passos Ribeiro de Campos2
RESUMO
OBJETIVO: Propõe-se avaliar os perfis de dose em profundidade e as distribuições espaciais de dose para protocolos de radioterapia ocular por prótons, a partir de simulações computacionais em código nuclear e modelo de olho discretizado em voxels. MATERIAIS E MÉTODOS: As ferramentas computacionais empregadas foram o código Geant4 (GEometry ANd Tracking) Toolkit e o SISCODES (Sistema Computacional para Dosimetria em Radioterapia). O Geant4 é um pacote de software livre, utilizado para simular a passagem de partículas nucleares com carga elétrica através da matéria, pelo método de Monte Carlo. Foram executadas simulações computacionais reprodutivas de radioterapia por próton baseada em instalações pré-existentes. RESULTADOS: Os dados das simulações foram integrados ao modelo de olho através do código SISCODES, para geração das distribuições espaciais de doses. Perfis de dose em profundidade reproduzindo o pico de Bragg puro e modulado são apresentados. Importantes aspectos do planejamento radioterápico com prótons são abordados, como material absorvedor, modulação, dimensões do colimador, energia incidente do próton e produção de isodoses. CONCLUSÃO: Conclui-se que a terapia por prótons, quando adequadamente modulada e direcionada, pode reproduzir condições ideais de deposição de dose em neoplasias oculares.
Palavras-chave: Próton terapia; Geant4; SISCODES; Radioterapia ocular; Prótons.
ABSTRACT
OBJECTIVE: The present study proposes the evaluation of the depth-dose profiles and the spatial distribution of radiation dose for ocular proton beam radiotherapy protocols, based on computer simulations in nuclear codes and an eye model discretized into voxels. MATERIALS AND METHODS: The employed computational tools were Geant4 (GEometry ANd Tracking) Toolkit and SISCODES (Sistema Computacional para Dosimetria em Radioterapia - Computer System for Dosimetry in Radiotherapy). Geant4 is a toolkit for simulating the passage of particles through the matter, based on Monte Carlo method. Computer simulations of proton therapy were performed based on preexisting facilities. RESULTS: Simulation data were integrated into SISCODES on the eye's model generating spatial dose distributions. Dose depth profiles reproducing the pure and modulated Bragg peaks are presented. Relevant aspects of proton beam radiotherapy planning are considered such as material absorber, modulation, collimator dimensions, incident proton energy and isodose generation. CONCLUSION: The conclusion is that proton therapy when properly modulated and directed can reproduce the ideal conditions for the dose deposition in the treatment of ocular tumors.
Keywords: Proton therapy; Geant4; SISCODES; Ocular radiotherapy; Protons.
INTRODUÇÃO A utilização da radioterapia por feixe de prótons vem, cada vez mais, sendo executada por um número crescente de instituições internacionais. Numerosos estudos dosimétricos e clínicos vêm sendo elaborados, com o intuito de avaliar os benefícios desta técnica, principalmente no tratamento de pacientes com câncer. Segundo estatísticas do Particle Therapy Co-Operative Group (PTCOG), existem 30 instalações em operação, totalizando 67.097 pacientes tratados por prótons, sendo 18.055 pacientes com tumores oculares. Estão previstas 22 novas instalações até 2013, somando cerca de 70 novas salas de tratamento(1). Entre as principais aplicações da radioterapia por prótons está o controle de neoplasias oculares, principalmente melanoma uveal. Tais protocolos preservam estruturas sensíveis do olho (nervo óptico, córnea, lente, retina e cristalino), além de reduzir a taxa de enucleação. A preservação dos olhos atinge 90% a 95% dos casos, sendo que cerca de 50% dos pacientes mantêm visão útil após cinco anos(2). Melanoma é um tumor maligno que tem origem nas células de pigmentação. Nos olhos, o local de maior incidência é a úvea (coróide), sendo este o mais comum dos tumores oculares primários. A incidência anual da doença na Europa é de 2 a 8 casos/milhão(3) e nos EUA é de aproximadamente 4,3 casos/milhão(4). A avaliação das doses absorvidas em planejamentos em teleterapia ocular por prótons é de restrita investigação dos centros internacionais que oferecem tal tratamento. A avaliação das doses absorvidas nas estruturas oculares, quando expostas a feixes de prótons, não tem sido um tema corrente da literatura científica. Entretanto, durante qualquer avaliação clínica ou mesmo comparativa entre distintas modalidades terapêuticas, como braquiterapia por placas oftalmológicas e teleterapia por prótons, há a necessidade de conhecer a distribuição de doses absorvidas nas estruturas oculares. Neste sentido, o presente artigo aborda a dosimetria por feixes de prótons em modelo ocular. Serão aqui apresentados resultados de simulações computacionais provenientes de aplicações de terapia por prótons em instalação pré-existente. A radioterapia por prótons, na região ocular, é recomendada para a irradiação de tumores posicionados na região posterior à linha do equador ocular, com restrição às regiões onde se localizam estruturas sensíveis, como o nervo ótico, a glândula lacrimal e o cristalino. O código Geant4 (GEometry ANd Tracking) é de interesse, pois avalia o processo de transporte de partículas pesadas com carga na matéria, por exemplo, prótons ou íons pesados. O Geant4 Toolkit, pacote de software livre, é composto de ferramentas que podem ser utilizadas para simular a passagem de partículas pesadas com carga através da matéria, pelo método de Monte Carlo. O método Monte Carlo é amplamente reconhecido pela sua precisão na simulação de transporte de partículas nucleares em geometrias complexas, como modelos computacionais em voxels e instalações de irradiações. O presente artigo propõe avaliar os perfis de dose em profundidade e as distribuições espaciais de dose para protocolos de radioterapia ocular por prótons baseandose em uma típica instalação, a partir de simulações computacionais empregando o código Geant4 e o código SISCODES (Sistema Computacional para Dosimetria em Radioterapia) em um modelo de olho discretizado em voxels. MATERIAIS E MÉTODOS Protocolo e instalação de irradiação tomada como modelo As presentes simulações reproduzem um protocolo de teleterapia por próton, provido de dados de experimento real de uma instalação em operação, constituída de seus principais elementos, que aplica feixe de prótons para controle de doenças oculares. A instalação provém do Centro di AdroTerapia e Applicazioni Nucleari Avanzate (CATANA) do Istituto Nazionale di Fisica Nucleare - Laboratori Nazionali del Sud (INFN-LNS), Catania, Itália - CATANA/INFN-LNS(5). Ferramentas de software e gráficas de análise A ferramenta de software empregada é o código Geant4. Ferramentas interativas gráficas (OpenGL) e de análise de dados (AIDA e JAS3) foram também utilizadas no ambiente de simulação. Os dados resultantes das ferramentas de análise (AIDA e JAS3) são gerados durante a simulação, que apresentam o pico de Bragg e relevantes distribuições de doses oriundas do protocolo. Muitos dos parâmetros necessários para definição do protocolo foram obtidos de processos pré-existentes, carregados na biblioteca do Geant4, denominada hadrontherapy. As bibliotecas do Geant4 da aplicação hadrontherapy foram adaptadas para que as informações de saída do Geant4 fossem integradas ao modelo de olho do SISCODES para geração das curvas de isodoses. Os resultados das simulações foram integrados ao modelo de voxels da região ocular do SISCODES, onde se reproduz a distribuição espacial da dose em curva de isodose. O referido sistema computacional pertence ao grupo de pesquisa Núcleo de Radiações Ionizantes, do Curso de Pós-Graduação em Ciências e Técnicas Nucleares da Universidade Federal de Minas Gerais(6). Modelo ocular simulador Nas presentes simulações, foi empregado um fantoma ocular previamente descrito por Mourão e Campos(7). O modelo de voxel da região ocular é composto por 82 × 100 × 43 voxels. Este é um modelo não isotrópico que corresponde a um volume de 41 × 50 × 38,7 mm3, representando uma matriz cujo elemento de volume tem dimensões de 0,5 × 0,5 × 0,9 mm3, de acordo com Mourão e Campos(7). Esse modelo foi originado do projeto denominado Visible Man Project (VMP)(8), adaptado e importado para o SISCODES. O SISCODES possui módulos de criação de modelos volumétricos de voxels a partir de uma sequência de imagens de corte, e de tratamento de imagem, em que foi convertido para uma matriz de imagem em tons de cinza pelo módulo de tratamento de imagem do SISCODES(7). O modelo tridimensional da região ocular do SISCODES foi composto por voxels pela sobreposição de 43 cortes transversos do modelo VMP(7). No referido modelo, as principais estruturas da região ocular estão representadas, como bulbo ocular, músculos e nervo ótico. O material considerado para o transporte de prótons no fantoma foi a água; entretanto, as isodoses são plotadas em superposição ao material presente no fantoma ocular. Definição do modulador de energia, material absorvedor e colimador Em aplicações clínicas, diversos acessórios são utilizados para formar ou posicionar o feixe de prótons para cada tratamento, que devem ser corretamente configurados e verificados antes do tratamento, pelo sistema de planejamento(9). Na aplicação hadrontherapy do Geant4, ao longo da trajetória do feixe de prótons, são colocados dispositivos que adaptam a irradiação à forma e à distância do tumor e protegem os tecidos sadios adjacentes, a saber: - Material absorvedor (range shifter): degrada a energia do feixe primário para um valor determinado, consequentemente, definindo seu alcance máximo. - Modulador ou sistema de modulação do feixe, para espalhar a deposição de energia e abranger todo o tumor. O modulador, feito de polimetilmetacrilato (PMMA), garante a homogeneidade da distribuição de dose em profundidade, abrangendo todo o volume alvo, propagando o feixe na energia com a modulação determinada e produzindo uma curva denominada spread-out Bragg peak (SOBP). A curva SOBP é produzida pela rotação de um dispositivo (anel) formado por hélices de diferentes espessuras. Esse dispositivo efetua seu movimento rotacional no eixo paralelo ao eixo do feixe de prótons e esse movimento em graus pode ser redefinido a cada execução da simulação(10). - Colimador: define o formato e o diâmetro do feixe de prótons de entrada para moldar lateralmente a forma de deposição de energia. Variações na configuração de colimadores foram aplicadas nos experimentos executados. Energia do feixe de prótons - A dose de irradiação é liberada a uma profundidade que depende da energia incidente dos prótons. As simulações foram executadas configurando a energia do feixe das partículas primárias de prótons em 62,0 MeV, cujo alcance é em torno de 3 cm(10). Avaliação do pico de Bragg puro e modulado A curva de dose absorvida em função da espessura do absorvedor mostra um pico de Bragg típico, cuja largura depende da natureza da radiação, da energia espalhada (straggling) e do material do absorvedor. A região inicial da curva de dose versus profundidade de prótons, antes do pico de Bragg, apresenta uma distribuição de dose praticamente constante que representa cerca de 30% da dose máxima. O pico de Bragg puro é bastante estreito ao atingir o volume alvo. Sua ocorrência em profundidade é dependente da energia do feixe, isto é, se a energia cresce, o pico de Bragg surge mais profundamente no tecido. Para a irradiação de volumes alvos pode-se realizar variação controlada da energia de entrada do próton produzindo a superposição de múltiplos picos de Bragg. Pode-se também incidir um feixe monoenergético de próton e aumentar a espessura de um material absorvedor superposto à entrada do feixe. Esta superposição pode ser reproduzida pela rotação de um anel tipo hélice com variação contínua de espessura, cuja orientação de rotação define a desejada. Desta forma, é também gerado um espectro de dose modulado (curva SOBP) com um pico de Bragg ampliado formado por vários perfis de dose superpostos representativos de espessuras de absorvedores variados, recobrindo a largura do volume alvo. O pico de Bragg puro (sem modulação) será produzido para a energia incidente de prótons. Também serão produzidos os picos de Bragg modulados em função de espessuras específicas de material absorvedor, dito range shifter. Avaliação da dose absorvida em profundidade e perfis espaciais de taxa de dose Os resultados das simulações no Geant4 foram reproduzidos em curvas de distribuição de dose em profundidade. Em adição, o código Geant4 produz informações da energia depositada nas coordenadas X, Y e Z do voxel que foram transferidos ao SIS-CODES. A conversão dos dados de saída do Geant4 para o SISCODES é produzida por um programa específico que faz interface entre os dois ambientes, além de calcular a taxa de dose depositada em cada voxel através da razão entre a energia depositada em MeV pela massa específica de cada voxel convertida em unidades Gray por próton incidente (Gy/p). A taxa de dose total absorvida é avaliada pelo produto da dose por unidade de partícula incidente pela corrente de prótons aplicada, e a dose absorvida, pelo produto da taxa de dose pelo tempo de exposição. A dose absorvida calculada no isocentro do fantoma depende da combinação do sistema de modulação e da espessura do range shifter. A dose liberada pelo feixe de prótons é depositada em uma geometria em voxel de qualquer material e formato, que então pode ser convertida para o sistema SISCODES. Para o tratamento de melanoma uveal, a dose total aplicada é cerca de 60 Gy equivalente (GyE), liberada em quatro frações de 15 Gy(10). RESULTADOS Geração do pico de Bragg puro e modulado As Figuras 1 e 2 representam o pico de Bragg e o pico de Bragg modulado (curva SOBP), sem e com modulação do feixe, aplicando diâmetro do colimador final de 7,5 mm e sem material absorvedor, com incidências de 1,00 × 106 prótons e 1,08 × 106 prótons, respectivamente. Para a produção da curva SOBP, o anel de PMMA foi rotacionado com a resolução de um grau (1º), completando 360º no total, utilizando 3,00 × 103 prótons por grau, de acordo com a recomendação(9) para gerar uma dose representativa.