Giuseppe D'Ippolito1; Fernanda Angeli Braga2; Marcelo Cardoso Resende2; Elisa Almeida Sathler Bretas3; Thiago Franchi Nunes3; George de Queiroz Rosas3; Dario Ariel Tiferes4
RESUMO
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho de contrastes orais neutros, comparando a capacidade de distensão intestinal, a distinção da parede intestinal, a aceitação e os efeitos colaterais. MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo prospectivo, randomizado e duplo-cego em 30 pacientes submetidos a tomografia computadorizada de abdome e pelve com administração de contraste oral neutro, divididos em três grupos: leite, água e polietilenoglicol. Os exames foram analisados quanto ao grau de distensão intestinal e distinção da parede intestinal por dois examinadores em consenso. Os pacientes responderam a um questionário referente ao sabor da solução ingerida e efeitos colaterais. Foram utilizados os testes Kruskal-Wallis e qui-quadrado para as análises estatísticas. RESULTADOS: Distensão intestinal adequada (calibre da alça maior que 2 cm) foi observada em 14 segmentos dos 40 estudados (35%) no grupo leite, em 10 segmentos (25%) no grupo água e em 23 segmentos (57%) no grupo polietilenoglicol (p = 0,01). O preparo com polietilenoglicol resultou na melhor distensão intestinal, porém apresentou o pior sabor e maior incidência de diarreia, referidos pelos pacientes. CONCLUSÃO: O preparo oral com polietilenoglicol promove maior grau de distensão intestinal do que quando se utiliza água ou leite, mas tem pior aceitação, relacionada ao seu sabor e frequência de diarreia.
Palavras-chave: Tomografia computadorizada por raios X; Intestino delgado; Meios de contraste.
ABSTRACT
OBJECTIVE: The purpose of this study was to assess the performance of neutral oral contrast agents, comparing intestinal distention, distinction of intestinal wall, acceptance and side effects. MATERIALS AND METHODS: Prospective, randomized, and double-blinded study involving 30 patients who underwent computed tomography of abdomen and pelvis with administration of neutral oral contrast agents, divided into three groups according the contrast agent type: milk, water, and polyethylene glycol. The images were consensually analyzed by two observers, considering the degree of bowel distention and intestinal wall distinction. The patients responded to a questionnaire regarding the taste of the ingested solution and on their side effects. Kruskal-Wallis and chi-square tests were employed for statistical analysis. RESULTS: Among 40 studied intestinal segments, appropriate bowel distension (intestinal loop diameter > 2 cm) was observed in 14 segments (35%) in the milk group, 10 segments (25%) in the water group and 23 segments (57%) in the polyethylene glycol group (p = 0.01). Preparation with polyethylene glycol resulted in the best bowel distention, but it presented the worst taste and highest incidence of diarrhea as reported by patients. CONCLUSION: Bowel preparation with oral polyethylene glycol results in higher degree of bowel distention than with water or milk, but presents worst acceptance related to its taste and frequency of diarrhea as a side effect.
Keywords: X-ray computed tomography; Small bowel; Contrast media.
INTRODUÇÃO A avaliação por imagem do intestino delgado tem sido realizada tradicionalmente por meio de trânsito intestinal, enteróclise e tomografia computadorizada (TC), sendo, mais recentemente, incluídas alternativas como a ressonância magnética (RM) e a cápsula endoscópica(1). Avanços técnicos nos últimos anos permitiram uma melhor avaliação do intestino delgado pela TC. Entre estes progressos, pode-se destacar o uso da TC multidetectores (TCMD), com a aquisição de imagens isotrópicas, permitindo avaliações multiplanares, a introdução de contrastes orais neutros, com atenuação próxima à da água(2), e técnicas de administração desses contrastes que incrementam a distensão das alças intestinais e retardam a sua absorção pela mucosa intestinal, além de uma aquisição de imagens orientada para o tempo de contrastação máximo da parede intestinal(1). A este conjunto de fatores técnicos dá-se o nome de enterografia por TC (entero-TC)(1,2). A entero-TC difere da TC convencional de abdome pela utilização de grandes volumes de contraste oral e cortes finos, com reconstruções multiplanares, adquiridas por TCMD(1–4). Suas principais indicações são: a avaliação de sangramento gastrintestinal obscuro, o diagnóstico e acompanhamento de doença inflamatória intestinal, especialmente a doença de Crohn, e a pesquisa de neoplasias intestinais(1). Contrastes orais neutros permitem a melhor distinção de segmentos com realce mural aumentado, de massas hipervasculares e de outros processos inflamatórios e vasculares(3,4). A distensão luminal é essencial para o diagnóstico das doenças intestinais, já que alças colabadas podem obscurecer afecções intraluminais ou mimetizar espessamento e áreas de realce aumentado de segmentos intestinais. Macari et al.(1) consideram distensão intestinal satisfatória quando o calibre do intestino delgado é de pelo menos 2 cm. A distensão insuficiente ou o colabamento luminal podem ser decorrentes do curto tempo entre a ingestão do contraste e a aquisição das imagens, da absorção da água, do esvaziamento gástrico retardado ou da ingestão de volume inadequado do meio de contraste(3). Múltiplos meios de contraste de baixa atenuação têm sido estudados na literatura(1–3,5–9), entre eles: água, água com metilcelulose, solução de bário 0,1% com sorbitol (VoLumen®), solução de polietilenoglicol (PEG) e leite a 2% e 4%. Algumas soluções, como o VoLumen®, não estão ainda disponíveis no mercado brasileiro, sendo necessário encontrar alternativas. O PEG nas concentrações atualmente usadas (59 g/l) apresenta bons resultados quanto à distensão intestinal, mas possui pior aceitação por parte dos pacientes, por causa dos seus efeitos colaterais, tais como cólicas e diarreia(3). Apesar dos diversos estudos comparando vários preparos intestinais em exame de entero-TC, até o presente momento não existem trabalhos que compararam contemporaneamente os três principais meios de contraste (leite, água e PEG), com PEG em menor concentração e com o objetivo de reduzir os seus efeitos indesejados, procurando-se, no entanto, manter a sua capacidade de distensão da luz intestinal. Propomos, então, comparar soluções disponíveis em nosso meio: a água, o leite integral (3,2%) e a solução de PEG em menor concentração (52,5 g/l), visando à redução de efeitos colaterais e, consequentemente, maior aceitação desta última pelos pacientes. O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho de três contrastes orais neutros, comparando a sua capacidade de distensão intestinal e de distinção da parede intestinal, além da sua aceitação e dos efeitos colaterais relatados pelos pacientes. MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado estudo prospectivo em 30 pacientes submetidos a TC com administração de contraste iodado intravenoso e contraste oral neutro, divididos em três grupos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa Instituição, tendo sido aplicado consentimento informado por escrito para todos os pacientes participantes do estudo. Os critérios de inclusão utilizados foram: pacientes maiores que 18 anos e com pedido espontâneo de TC de abdome e pelve com indicação do uso de contraste venoso e oral. Foram excluídos do estudo pacientes com história de cirurgia do trato gastrintestinal, neoplasia do trato gastrintestinal conhecida, intolerância à lactose, em uso de laxantes, antidepressivos tricíclicos, fenobarbital ou opiáceos, e pacientes apresentando sintomas gastrintestinais como náusea, vômito, diarreia e saciedade precoce; além destes, foram também excluídos gestantes e pacientes com alergia ao contraste iodado e com creatinina acima de 2,0 mg/dl. Os contrastes orais neutros utilizados nos grupos foram: grupo 1 – 1000 ml de leite integral 3,2%; grupo 2 – 1800 ml de água; grupo 3 – solução de PEG em 1500 ml de água. Todos foram administrados em intervalo de tempo em torno de 45 minutos e representando alternativas seguras de acordo com estudos na literatura(5). O PEG utilizado foi o Muvinlax® (PEG3350), comercialmente disponível em sachês com 13,125 g. A diluição deste produto foi de 6 sachês em 1500 ml (52,5 g/l), concentração menor que a usada em estudos prévios(3,5,6). Cada grupo de 10 pacientes consecutivos recebeu um tipo diferente de contraste oral. Todos os exames de TC de abdome e pelve foram realizados em equipamento com 64 fileiras de detectores, modelo Brilliance-64 (Philips Medical Systems; Best, Holanda). Os exames foram executados com técnica multislice e aquisição volumétrica, estendendo-se desde o diafragma até a sínfise púbica, 65 segundos após o início da injeção intravenosa do meio de contraste. A injeção ocorreu numa velocidade de aproximadamente 3 ml/s, em quantidade de 2 ml/kg de peso, com volume máximo de 150 ml. Os parâmetros técnicos utilizados nos exames de TC foram os seguintes: colimação de 64 × 0,625 mm, pitch de 0,891, espessura de 3 mm, com 120 kVp e mAs variável, em função da espessura abdominal do paciente. Foram obtidas reconstruções coronais e sagitais. Os exames foram interpretados por dois radiologistas em consenso, com quatro e dez anos de experiência em TC abdominal, cegos para o tipo de contraste oral utilizado. Os avaliadores realizaram uma análise em relação ao grau de distensão intestinal, dividida em quatro regiões de segmentos intestinais: hipocôndrio esquerdo, mesogástrio, pelve e íleo terminal. Cada região foi classificada considerando uma escala de 1 a 3, do seguinte modo: 1 – alças com calibre menor que 1 cm; 2 – alças com calibre entre 1 e 2 cm; 3 – alças com calibre maior que 2 cm. Além disso, os radiologistas classificaram as paredes das alças como visíveis ou não, também nas quatro regiões. Em relação ao grau de aceitação da solução ingerida, os pacientes responderam a um questionário quanto ao sabor, numa escala de 1 a 3: 1 – ruim; 2 – razoável; 3 – bom; em relação a náuseas durante a ingestão, numa escala de 1 a 3: 1 – sem náuseas; 2 – náuseas leves; 3 – náuseas acentuadas; além de, após 24 horas, relatar a ausência ou presença de diarreia e a quantidade de evacuações líquidas. As diferenças das idades médias dos grupos foram calculadas empregando-se o teste de Kruskal-Wallis. O grau de distensão intestinal foi avaliado de acordo com a escala de três pontos acima descrita, calculando-se a porcentagem referente a cada grau. Além disso, o cálculo das porcentagens das paredes das alças visíveis foi obtido e a avaliação da aceitação do meio de contraste ingerido pelo paciente seguiu as escalas acima descritas. A análise referente à significância estatística foi realizada utilizando-se o teste do qui-quadrado. Foi considerado o nível de significância de 5% (p < 0,05). RESULTADOS A idade média foi de, aproximadamente, 59 anos no grupo 1 (leite a 3,2%), 60 anos no grupo 2 (água) e 53 anos no grupo 3 (PEG), não havendo diferença significante entre os três (p < 0,05). Distensão intestinal considerada adequada e com calibre maior que 2 cm foi observada em 14 segmentos dos 40 estudados (35%) nos pacientes que ingeriram leite, em 10 segmentos (25%) nos pacientes que receberam água e em 23 segmentos (57,5%) nos pacientes que fizeram uso de PEG. O preparo com PEG resultou na melhor distensão intestinal (p = 0,01), não havendo diferença significativa entre o leite e a água (Figura 1). A definição da parede intestinal foi observada em 39 segmentos dos 40 estudados (97,5%) no grupo que ingeriu leite, em 33 segmentos (82,5%) no grupo que recebeu água e em 38 segmentos (95%) no grupo que fez uso de PEG, não havendo diferença significante entre os três grupos (Figuras 1 e 2).