Raquel Constantino Pardal1; António Fernando Lagem Abrantes2; Luís Pedro Vieira Ribeiro3; Rui Pedro Pereira Almeida4; Kevin Barros Azevedo5; Teresa Leonor Figueiredo6; Sónia Isabel Rodrigues7
RESUMO
OBJETIVO: Comparar a capacidade de diferenciação de lesões benignas versus malignas por parte da mamografia, ultrassonografia modo-B e elastografia. MATERIAIS E MÉTODOS: Um total de 12 lesões mamárias confirmadas histologicamente foi documentado. A avaliação das lesões foi realizada por meio da mamografia, ultrassonografia modo-B e elastografia. Os resultados histopatológicos foram utilizados como técnica padrão ouro. As sensibilidades e as especificidades foram calculadas. A curva receiver operating characteristic (ROC) foi realizada para avaliar o desempenho diagnóstico das técnicas utilizadas. RESULTADOS: A sensibilidade e a especificidade na diferenciação entre lesões mamárias benignas e malignas foram 100% e 50%, respectivamente, para a mamografia, e 100% e 71% para a ultrassonografia modo-B. A elastografia obteve sensibilidade de 67% e especificidade de 83%. A área abaixo da curva ROC foi calculada para as três técnicas imaginológicas, sendo 0,792 para a mamografia, 0,847 para a ultrassonografia modo-B e 0,806 para a elastografia. CONCLUSÃO: A elastografia mostrou ter maior especificidade e menor sensibilidade comparativamente à mamografia e à ultrassonografia modo-B. A ultrassonografia modo-B foi a técnica que demonstrou maior área abaixo da curva ROC. A elastografia mostra-se uma técnica promissora na detecção de doença mamária e, potencialmente, poderá reduzir biópsias desnecessárias.
Palavras-chave: Elastografia; Especificidade; Lesões mamárias; Mamografia; Sensibilidade; US modo-B mamária.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To compare the capacity of mammography, sonoelastography, B-mode ultrasonography and histological analysis to differentiate benign from malignant breast lesions. MATERIALS AND METHODS: A total of 12 histopathologically confirmed breast lesions were documented. The lesions were assessed by means of mammography, B-mode ultrasonography and sonoelastography, and histopathological analysis was utilized as a gold standard. Sensitivity and specificity were calculated. A receiver operating characteristic (ROC) curve was constructed to evaluate the diagnostic performance of the mentioned techniques. RESULTS: Sensitivity and specificity in the differentiation between benign and malignant lesions were respectively 100% and 50% for mammography, 100% and 71% for B-mode ultrasonography, and 67% and 83% for sonoelastography. The area under the ROC curve was calculated for the three imaging modalities and corresponded to 0.792 for mammography, 0.847 for B-mode ultrasonography, and 0.806 for sonoelastography. CONCLUSION: Sonoelastography demonstrated higher specificity and lower sensitivity as compared with mammography and B-mode ultrasonography. On the other hand, B-mode ultrasonography had the largest area under the ROC curve. Sonoelastography has demonstrated to be a promising technique to detect and evaluate breast lesions, and could potentially reduce the number of unnecessary biopsies.
Keywords: Breast B-mode ultrasonography; Breast lesions; Mammography; Sensitivity; Specificity; Sonoelastography.
INTRODUÇÃO O câncer da mama designa a neoplasia mais comum na população feminina, compreendendo cerca de 16% de todos os tumores da mulher. A sua incidência é bastante variável em todo o mundo, tendo sido calculada, na América do Norte, em 99,4 por 100.000. Em regiões como a Europa Oriental, a América do Sul, a região Sul de África e a Ásia Ocidental a incidência referida é moderada, estando, no entanto, a aumentar(1). Este fato é acompanhado por uma diminuição da mortalidade, a qual está intimamente relacionada com a detecção precoce de doenças mamárias e ao aumento da oferta de tratamento adequado(2). Relativamente à realidade portuguesa, a incidência registrada é de cerca de 4.000 novos casos/ano(3). A mamografia é uma técnica de diagnóstico que tem como principal objetivo a produção de imagens detalhadas das estruturas internas da mama, de modo a possibilitar o diagnóstico precoce de doenças mamárias. O estudo mamográfico é composto pela aquisição de duas incidências básicas, a crânio-caudal e a oblíqua mediolateral. Outras incidências complementares poderão ser efetuadas quando se detecta uma lesão suspeita(4). No diagnóstico de lesões mamárias, a ultrassonografia (US) modo-B mostra-se bastante relevante como complemento de outras modalidades diagnósticas. O estudo ecográfico deve ser, sempre que possível, precedido por um estudo mamográfico completo(5). Mostra-se como um estudo de rastreamento de doenças mamárias para as mulheres mais jovens que apresentam mamas densas à mamografia (BI-RADS 3 e 4)(6). A técnica de aquisição varia entre pacientes, a localização da lesão, as indicações e o tipo da lesão. Os achados ultrassonográficos devem ser documentados em dois planos ortogonais (longitudinal e transversal), de modo a verificar todas as suas características. A elastografia mostra-se, atualmente, como uma técnica promissora no controle evolutivo das lesões mamárias suspeitas em idades mais avançadas e em intervalos do controle mamográfico, permitindo orientar o diagnóstico e prognóstico. Nas idades jovens, esta técnica possibilita um acréscimo de informação ao diagnóstico das lesões sólidas, permitindo evitar uma biópsia desnecessária. Mostra-se uma técnica complementar no diagnóstico da doença mamária, sendo associada à US modo-B. Apresenta como principais vantagens o fato de ser isenta de radiação ionizante, fornecer informação mais específica da possível lesão e de não comportar um acréscimo de tempo significativo ao estudo em lesões suspeitas(7). É um método que permite quantificar o grau de elasticidade dos tecidos mediante a realização de pressão sobre estes(6,8). Na elastografia as lesões são quantificadas de acordo com uma escala de cor. É utilizado um transdutor, o qual sobrepõe as informações de cor com as imagens de US modo-B(9). A escala de cor está compreendida entre o vermelho e o azul. Esta escala apresenta-se fortemente relacionada com o grau de benignidade/malignidade, sendo que a ausência de deformação, caracterizada pela cor azul, está associada ao grau de malignidade(6,10). A biópsia mamária define-se como um procedimento invasivo que permite a confirmação da detecção de lesões mamárias. Esta técnica recorre à coleta de fragmentos de tecido mamário, os quais são analisados histologicamente. São vários os tipos de biópsias, os quais estão relacionados com o tipo, o tamanho da lesão e a profundidade a que esta se encontra da superfície da mama. O acompanhamento após este procedimento depende do tipo de achado histológico(11). Desta forma, e na sequência do referido anteriormente, o presente estudo tem como principal objetivo a determinação da capacidade de diferenciação de lesões mamárias benignas versus malignas por parte da mamografia, US modo-B e elastografia, utilizando como técnica padrão ouro os resultados histológicos das lesões. A realização deste trabalho de investigação revela-se oportuna na medida em que a elastografia mamária se mostra como uma técnica relativamente recente, cuja acuidade diagnóstica se encontra pouco descrita na literatura. Caso seja reconhecida a fiabilidade da técnica na detecção de lesões benignas versus malignas, poder-se-á reduzir o número de biópsias mamárias realizadas atualmente a lesões que, embora suspeitas, sejam comprovadas benignas. MATERIAIS E MÉTODOS A população alvo deste estudo incidiu sobre um grupo de pacientes do sexo feminino com doença mamária uni ou bilateral que tenham realizado exames imaginológicos nos Serviços de Radiologia do Hospital de Faro, E.P.E. e do H.P.P. – Hospital Santa Maria de Faro. A amostra correspondeu a 12 lesões mamárias, as quais foram documentadas por meio de imagens de mamografia, US modo-B e elastografia. O resultado histológico resultante das biópsias das lesões estudadas funcionou como técnica padrão ouro, de modo a ampliar a especificidade dos resultados. Como critério de exclusão para o estudo foi definido a ausência de realização de alguma das técnicas diagnósticas imaginológicas referidas anteriormente. As pacientes incluídas no estudo apresentaram média de idade de 54,8 ± 10,4, num intervalo entre 43 e 73 anos. Foram elaboradas tabelas com o intuito de simplificar a coleta dos dados. Nestas constam as características essenciais que permitiram classificar as lesões quanto à sua benignidade/malignidade nas quatro modalidades diagnósticas. Mediante observação e análise das imagens das três técnicas imaginológicas, bem como do correto preenchimento das tabelas acima mencionadas, foi possível afirmar um grau de probabilidade de as lesões em estudo serem benignas ou malignas. Os dados recolhidos foram utilizados única e exclusivamente neste trabalho, sendo salvaguardada a identidade das pacientes que fazem parte da amostra, garantindo o seu anonimato e confidencialidade. Mamografia Todas as pacientes apresentaram exames mamográficos. As imagens foram obtidas por mamógrafos GE Medical System Senographe DMR® e GM Medical System Apollon®. Foram efetuadas as projeções básicas crânio-caudal e oblíqua mediolateral, as quais permitem a demonstração dos quadrantes externos e internos e dos quadrantes superiores, inferiores e o ângulo inframamário, respectivamente. As imagens de mamografia foram analisadas de acordo com a classificação Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS®) do American College of Radiology. Por intermédio desta classificação é possível uniformizar toda e qualquer terminologia utilizada no relatório mamográfico, tornando-a clara, concisa e facilmente compreensível(8). A classificação dos achados mamográficos é composta por sete categorias, as quais estão diretamente relacionadas com as recomendações de conduta. As categorias são apresentadas de seguida(8):US modo-B e elastografia As imagens de US modo-B e de elastografia foram obtidas utilizando ecógrafos GE Medical System Logic 9® e Siemens Acuson Antares® e com a utilização de uma sonda linear de elevada frequência. As frequências variaram entre 7,5 MHz e 14 MHz, dependendo da profundidade da lesão e da espessura da mama. As lesões em estudo foram documentadas em dois planos ortogonais (longitudinal e transversal). Selecionado o modo elastografia, a gama de cores é sobreposta à imagem modo-B(9). Ambas as imagens são apresentadas em simultâneo no ecrã do ecógrafo em tempo real, sendo o modo-B representado à esquerda e o elastograma representado à direita. Relativamente à elastografia, foram efetuadas medidas antes e após a compressão uniforme dos tecidos, de forma a avaliar a deformação multidirecional do tecido mamário suspeito. A avaliação das imagens de US modo-B, à semelhança da mamografia, é realizada de acordo com a classificação BI-RADS. Já as imagens obtidas pela elastografia, nomeadamente as propriedades elásticas dos tecidos, são analisadas qualitativamente segundo a escala de elasticidade de Ueno (Figura 1), sendo esta composta por cinco níveis(8,12–15):Categoria 0 - Atualmente utilizada em casos cujo resultado está dependente da análise comparativa com o exame anterior ou em reconvocações por erro técnico. Esta categoria poderá ser também utilizada nos casos que necessitam de avaliação adicional por US ou por ressonância magnética (RM), para esclarecimento diagnóstico. Categoria 1 – Refere-se a um exame negativo para malignidade, não havendo evidência de alterações focais radiográficas significativas. Categoria 2 – Utilizada em situações nas quais os achados mamográficos são caracteristicamente benignos. Categoria 3 – Achados mamográficos com probabilidade elevada de serem benignos, com valor preditivo positivo (VPP) igual ou superior a 98%. Categoria 4 – Lesões que apresentam probabilidade de serem malignas, embora não tenham características típicas de carcinoma. Subcategoria 4a – Lesões com suspeita intermédia de malignidade, devendo ser submetidas a biópsia para correlação histológica. Subcategoria 4b – Calcificações amorfas, nódulos com contornos parcialmente circunscritos e parcialmente indistintos. Subcategoria 4c – Lesões com um grau moderado de suspeição de malignidade, esperando-se um resultado positivo de malignidade após estudo histológico. Categoria 5 – Lesões que apresentam probabilidade de malignidade elevada (VPP > 95%). Categoria 6 – Lesões cuja malignidade já foi anteriormente confirmada por estudo histológico e que não tenham sido submetidas a qualquer tratamento definitivo.
Os níveis atribuídos pela elastografia podem ser comparados à classificação BI-RADS. Os níveis 1 e 2 da elastografia correspondem à categoria 2 da classificação BI-RADS. Os restantes níveis de elastografia têm uma correspondência um-para-um com a classificação BI-RADS(9). Assim, o nível 1 da elastografia representa achados negativos para malignidade, o nível 2 exibe achados benignos, o nível 3 evidencia achados provavelmente benignos, o nível 4 demonstra achados suspeitos de malignidade e o nível 5 representa achados altamente suspeitos para malignidade(16). Pode afirmar-se, então, que o nível de elasticidade de uma lesão está intimamente correlacionado com a categoria da classificação BI-RADS, na medida em que baixos níveis de elasticidade correspondem a elevadas categorias da referida classificação. O contrário também se verifica(17). Histologia Os resultados histológicos estiveram disponíveis em todas as pacientes. Foram efetuadas biópsias ecoguiadas percutâneas por agulha grossa com propulsor automático (core biopsy) em nove pacientes (75%) e estereotáxicas em três pacientes (25%). As amostras foram colhidas e analisadas histopatologicamente em laboratório. Análise estatística Os resultados obtidos foram analisados por softwares Microsoft Excel 2010® e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) V 20.0®. No que se refere ao software Microsoft Excel 2010®, foram calculados as sensibilidades, as especificidades, os VPPs e os valores preditivos negativos (VPNs) para as três técnicas imaginológicas. Relativamente ao software SPSS V 20.0®, foram calculadas medidas de tendência central (média) e medidas de dispersão (desvio-padrão). Obteve-se também a curva receiver operating characteristic (ROC) para todas as técnicas em estudo, na qual são representados os valores da sensibilidade no eixo das ordenadas, e no eixo das abscissas os valores de 1 – especificidade para todos os pontos de corte definidos. O conhecimento da área sob a curva possibilita quantificar a exatidão dos testes diagnósticos. Foi ainda calculado o teste-t para a diferença de valores médios, considerando-se um alfa de 0,05. RESULTADOS Foram identificadas 12 lesões mamárias de pacientes do sexo feminino através da mamografia, da US modo-B e da elastografia (Figuras 2 e 3). O resultado histológico foi obtido em todas as pacientes, tendo-se identificado seis lesões benignas e seis malignas. Estas apresentaram tamanho médio de 15,1 ± 10,6 mm e 13,8 ± 3,8 mm, respectivamente.Nível 1 – Lesão uniformemente elástica, sombreada a verde. Uma variância deste tipo é a imagem diagnóstica de um cisto (1*), na qual são apresentadas três camadas (azul, verde e vermelho). Nível 2 – Lesão fundamentalmente elástica com algumas zonas de ausência de elasticidade, caracterizando-se por um padrão de mosaico verde e azul. Nível 3 – Elasticidade na periferia da lesão e ausência de elasticidade na região central, verificando-se um sombreado a verde na periferia e azul no interior da lesão. Nível 4 – Ausência de elasticidade em toda a lesão, sendo visualizada com um preenchimento a azul. Nível 5 – Ausência de elasticidade não só em toda a lesão como também nos tecidos circundantes, visualizando-se uma região azul mais extensa que a própria lesão.