Sr. Editor,
Paciente feminina, 75 anos, encaminhada com mamografia de rastreamento de outro serviço mostrando microcalcificações pleomórficas agrupadas no quadrante superolateral da mama esquerda, classificadas como achados mamográficos altamente suspeitos (BI-RADS 5). O objetivo do encaminhamento seria o agulhamento guiado por mamografia seguido de biópsia excisional da lesão suspeita. Foi realizada nova mamografia, que revelou nódulo de aspecto benigno, já presente e estável em relação à mamografia prévia, e microcalcificações pleomórficas agrupadas, ambos localizados no quadrante superolateral da mama esquerda. O aspecto das microcalcificações suspeitas chamou a atenção por apresentar grupamento de formato arredondado (Figuras 1A e 1B).

Figura 1. A,B: Incidências mediolateral oblíqua e craniocaudal da mama esquerda mostrando nódulo parcialmente calcificado (círculo) e grupamento de microcalcificações pleomórficas (seta) localizado no quadrante superolateral. C,D: Clipe metálico sobre o nevo cutâneo contendo resíduos de talco em suas fissuras e incidência craniocaudal da mama esquerda demonstrando que o grupamento de microcalcificações correspondia aos resíduos de talco.
A paciente foi reexaminada, sendo detectado nevo cutâneo de superfície irregular com resíduos de talco aderidos às suas fissuras. Após marcar a lesão descrita com clipe metálico, foi realizada nova incidência que revelou que as microcalcificações observadas eram devidas a artefatos relacionados aos resíduos de talco sobre o nevo cutâneo (Figuras 1C e 1D). Houve reclassificação da mamografia como achados mamográficos benignos (BI-RADS 2) e a paciente foi reencaminhada à rede básica de saúde.
O câncer de mama, excetuando-se tumores de pele do tipo não melanoma, é a neoplasia mais frequente e com elevada mortalidade em mulheres no Brasil
(1). A mamografia é o principal método de imagem para diagnóstico precoce do câncer de mama e a análise das diferenças entre o tecido mamário normal e os achados suspeitos necessita de um alto padrão na qualidade da imagem para detecção precoce de lesões
(2-9). Além disso, a presença de artefatos pode mascarar ou mimetizar o diagnóstico de lesões iniciais, reduzindo a sensibilidade e especificidade do método e levando a condutas inapropriadas.
Os artefatos mais comuns ocorrem por fatores relacionados à paciente, à técnica empregada na realização do exame e ao processamento da imagem ou problemas no equipamento
(10,11). Os principais artefatos relacionados às pacientes decorrem da dificuldade na mobilização das mamas durante a aquisição das imagens e do uso de substâncias sobre a pele.
O caso aqui relatado ilustra a necessidade do rígido controle de qualidade da imagem mamográfica e de correlação com achados clínicos para melhor acurácia diagnóstica. A lesão cutânea observada levou à simulação de grupamento de microcalcificações pleomórficas, o que implicaria a necessidade de biópsia. A busca ativa de prevenção e detecção de artefatos, associada ao constante controle de qualidade dos processos de obtenção, processamento, armazenamento e análise das imagens, reduzem a incidência de erros diagnósticos e os custos, devendo ser o objetivo de toda equipe do serviço de mamografia.
REFERÊNCIAS
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Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil
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