RESUMO
Relatamos um caso de paciente do sexo feminino, 55 anos, hipertensa, tabagista, apresentando disfonia, disfagia e tosse seca persistente. À videolaringoscopia foi observada paralisia da prega vocal esquerda. A tomografia computadorizada mostrou aneurisma sacular da parede inferior do arco aórtico, no local de deflexão do nervo laríngeo recorrente, permitindo diagnosticar a síndrome de Ortner.
Palavras-chave:
Síndrome de Ortner; Aneurisma de arco aórtico; Nervo laríngeo recorrente; Disfonia; Tosse seca.
ABSTRACT
The authors report the case of a 55-year-old female, hypertensive, smoker patient presenting with dysphonia, dysphagia and persistent dry cough. Laryngoscopy diagnosed left vocal cord paralysis. Computed tomography demonstrated saccular aneurysm of the inferior wall of the aortic arch, stretching the left recurrent laryngeal nerve, a finding compatible with Ortner's syndrome.
Keywords:
Ortner's syndrome; Aortic arch aneurysm; Recurrent laryngeal nerve; Dysphonia; Dry cough.
INTRODUÇÃO
Ortner descreveu, em 1897, a associação entre estenose mitral e rouquidão relacionada a paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo
(1). A síndrome de Ortner, cuja fisiopatologia está relacionada ao comprometimento do nervo laríngeo recorrente entre a aorta e a artéria pulmonar, pode estar presente em outras doenças de origem cardiovascular benigna
(1).
Neste trabalho descrevemos o caso de uma paciente que apresentou sintomas compatíveis com a síndrome, devido à presença de um aneurisma sacular localizado na parede inferior do arco aórtico determinando a lesão do referido nervo.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 55 anos, hipertensa, tabagista 35 anos/maço, apresentando quadro de evolução de quatro meses de disfonia, discreta disfagia e episódios de tosse seca persistente. A videolaringoscopia mostrou paralisia da prega vocal esquerda em posição paramediana (Figura 1).

Figura 1. Documentação da videolaringoscopia e corte tomográfico axial em janela de partes moles demonstrando a assimetria das cordas vocais, com sinais de paresia à esquerda.
A tomografia computadorizada da região cervical e torácica confirmou os achados da videolaringoscopia (Figura 1) e definiu o diagnóstico ao demonstrar um aneurisma sacular focal na parede inferior do arco aórtico (Figuras 2, 3 e 4), responsável por estirar o nervo laríngeo recorrente esquerdo e causar os sintomas descritos.

Figura 2. Reconstrução sagital oblíqua com técnica de projeção de intensidade máxima identificando o aneurisma na parede inferior do arco aórtico, onde habitualmente o nervo laríngeo recorrente margeia este vaso.

Figura 3. Reformatações multiplanares com técnica de projeção de intensidade máxima obtendo-se imagens oblíquas demonstrando a relação anatômica entre o arco aórtico, o tronco da artéria pulmonar e o aneurisma projetando-se na janela aortopulmonar.

Figura 4. Reconstruções multiplanares em anteroposterior e oblíquas direita e esquerda, utilizando a técnica
volume rendering, demonstrando a dilatação focal na parede inferior do arco aórtico (setas).
DISCUSSÃO
Tosse persistente, disfagia e disfonia podem sugerir paralisia de prega vocal secundária a lesão do nervo laríngeo recorrente. As pregas vocais recebem inervação motora por um ramo do nervo vago, o nervo laríngeo recorrente. À direita, o nervo laríngeo recorrente margeia a superfície inferior da artéria subclávia e, à esquerda, contorna inferiormente o arco aórtico na janela aortopulmonar, ascendendo até a laringe junto ao sulco esôfago-traqueal. Qualquer compressão/estiramento do nervo vago, em sua origem no sulco lateral posterior do bulbo, trajeto na cisterna bulbo-cerebelar, na sua emersão do crânio pelo forame jugular, na bainha da artéria carótida ou adjacente aos locais de deflexão dos nervos laríngeos recorrentes nos vasos acima descritos, pode determinar os sintomas
(2).
A síndrome de Ortner, também conhecida como síndrome cardiovocal, decorre da compressão do referido nervo secundária a causas cardiovasculares benignas (Tabela 1)
(1-3). Outras afecções podem acometer o referido nervo, sem, entretanto, configurar a síndrome
(2,4,5).
Os achados tomográficos de paralisia das cordas vocais são: espessamento em posição paramediana da prega ariepiglótica ipsilateral, aumento de volume do seio piriforme e ventrículo ipsilaterais, posicionamento anteromedial da cartilagem aritenoide, posição paramediana da corda vocal. No plano coronal, pode-se observar retificação do arco subglótico
(2).
A confirmação diagnóstica inclui exames endoscópicos da laringe e tomografia computadorizada do crânio, pescoço e tórax. A avaliação tomográfica visa demonstrar, além das alterações laríngeas, a presença de possíveis lesões no trajeto dos nervos vagos e laríngeos recorrentes, desde a base do crânio até a janela aortopulmonar
(3,6,7), corroborando o diagnóstico.
REFERÊNCIAS
1. Sengupta A, Dubey SP, Chaudhuri D, et al. Ortner's syndrome revisited. J Laryngol Otol. 1998;112:377-9.
2. Paquette CM, Manos DC, Psooy BJ. Unilateral vocal cord paralysis: a review of CT findings, mediastinal causes, and the course of the recurrent laryngeal nerves. Radiographics. 2012;32:721-40.
3. Bickle IC, Kelly BE, Brooker DS. Ortner's syndrome: a radiological diagnosis. Ulster Med J. 2002;71:55-6.
4. Yumoto E, Minoda R, Hyodo M, et al. Causes of recurrent laryngeal nerve paralysis. Auris Nasus Larynx. 2002;29:41-5.
5. Hirose H. Clinical observations on 600 cases of recurrent laryngeal nerve paralysis. Auris Nasus Larynx. 1978;5:39-48.
6. Ishii K, Adachi H, Tsubaki K, et al. Evaluation of recurrent nerve paralysis due to thoracic aortic aneurysm and aneurysm repair. Laryngoscope. 2004;114:2176-81.
7. Chan P, Huang JJ, Yang YJ. Left vocal cord palsy: an unusual presentation of a mycotic aneurysm of the aorta caused by Salmonella cholerasuis. Scand J Infect Dis. 1994;26:219-21.
1. Médico Residente do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil
2. Médicos Radiologistas do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) e do Grupo Alliar, Juiz de Fora, MG, Brasil
3. Médico Radiologista do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil
4. Médico Radiologista da CDM Imagem - Centro de Diagnóstico Médico e do Cedim - Centro Diagnóstico em Medicina, São Mateus, ES, Brasil
5. Médico Radiologista da Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Landim Dutra
Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Hospital Universitário - Centro de Atenção à Saúde, Unidade Dom Bosco
Avenida Eugênio do Nascimento, s/nº, Dom Bosco
Juiz de Fora, MG, Brasil, 36038-330
E-mail:
brunolandim@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 20/6/2013.
Aceito, após revisão, em 29/1/2014.
Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.