Fernanda Aurora Stabile Gonnelli1; Luiz Felipe Palma2; Adelmo José Giordani3; Aline Lima Silva Deboni4; Rodrigo Souza Dias5; Roberto Araújo Segreto6; Helena Regina Comodo Segreto7
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar o impacto do laser de baixa potência na prevenção de hipofluxo salivar em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço após radioterapia e quimioterapia. MATERIAIS E MÉTODOS: Treze pacientes receberam laserterapia e dez receberam cuidados clínicos. Utilizou-se um InGaAlP laser diodo para aplicação intraoral (comprimento de onda de 660 nm, 40 mW de potência e dose média de 10 J/cm2) e extraoral (comprimento de onda de 780 nm, 15 mW de potência e dose média de 3,7 J/cm2), três vezes por semana, em dias alternados. Sialometrias estimulada e não estimulada foram realizadas antes da primeira sessão de radioterapia e quimioterapia (N0) e 30 dias após o final do tratamento (N30). RESULTADOS: Em N30, os pacientes submetidos à laserterapia apresentaram médias estatisticamente maiores de fluxo salivar estimulado (p = 0,0131) e não estimulado (p = 0,0143), em comparação com os pacientes que receberam apenas cuidados clínicos. CONCLUSÃO: A laserterapia de baixa potência realizada concomitantemente a radioterapia e quimioterapia foi capaz de mitigar a hipofunção das glândulas salivares em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço após o tratamento oncológico.
Palavras-chave: Terapia a laser de baixa potência; Radioterapia; Quimioterapia; Câncer de cabeça e pescoço.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To determine whether low-level laser therapy can prevent salivary hypofunction after radiotherapy and chemotherapy in head and neck cancer patients. MATERIALS AND METHODS: We evaluated 23 head and neck cancer patients, of whom 13 received laser therapy and 10 received clinical care only. An InGaAlP laser was used intra-orally (at 660 nm and 40 mW) at a mean dose of 10.0 J/cm2 and extra-orally (at 780 nm and 15 mW) at a mean dose of 3.7 J/cm2, three times per week, on alternate days. Stimulated and unstimulated sialometry tests were performed before the first radiotherapy and chemotherapy sessions (N0) and at 30 days after the end of treatment (N30). RESULTS: At N30, the mean salivary flow rates were significantly higher among the laser therapy patients than among the patients who received clinical care only, in the stimulated and unstimulated sialometry tests (p = 0.0131 and p = 0.0143, respectively). CONCLUSION: Low-level laser therapy, administered concomitantly with radiotherapy and chemotherapy, appears to mitigate treatment-induced salivary hypofunction in patients with head and neck cancer.
Keywords: Lasers, semiconductor/therapeutic use; Radiotherapy; Head and neck neoplasms/drug therapy.
INTRODUÇÃO O câncer de cabeça e pescoço (CCP) envolve uma diversidade de neoplasias malignas com diferentes características, porém, em aproximadamente 95% dos casos, o tipo histológico primário observado é o carcinoma de células escamosas(1). O câncer da cavidade oral é o tipo mais representativo da doença, sendo considerado também problema de saúde pública mundial(2,3). A última estimativa realizada no ano de 2012 apontou que ocorreriam cerca de 300.000 novos casos no mundo naquele ano, e no Brasil, em 2014, são estimados aproximadamente 15.000 novos casos(4). A radioterapia (RT) é importante modalidade terapêutica para cura e controle do CCP, pois permite a erradicação do tumor preservando a função dos tecidos normais da região afetada(5,6). É adotada como tratamento primário nos estágios iniciais da doença, porém, em casos mais avançados, é geralmente associada a quimioterapia (QT) e/ou cirurgia(7-9). A dose total de radiação empregada no tratamento com intenção curativa é baseada na localização e tipo do tumor, ficando em torno de 50 a 70 Gy nos modelos da RT convencional. Esta dose, na maioria dos casos, é distribuída em frações de 1,8 a 2 Gy/dia, em um período de cinco a sete semanas, cinco dias por semana(10,11). As células não neoplásicas incluídas ou adjacentes aos campos de irradiação durante a RT também sofrem consequências. A extensão e intensidade dos efeitos citotóxicos são determinadas por fatores do tratamento, como dose total de radiação, dose por fração, volume do campo irradiado, distribuição da dose no volume de tecido, associação ou não à QT, e por fatores individuais dos pacientes(12). Estes efeitos podem ocorrer durante ou logo depois da RT, mas podem surgir também meses ou anos após o tratamento, sendo denominados, respectivamente, agudos e tardios(2,5,13). Em relação à QT, utilizam-se principalmente os derivados da platina e a 5-fluorouracila, em protocolos semanais, com o intuito de radiossensibilizar o tumor(14). De maneira geral, os efeitos desejados dos derivados da platina são decorrentes da interação com bases púricas do DNA, que, por sua vez, afeta diretamente os processos de duplicação celular. A cisplatina, em especial, se liga à base nitrogenada guanina, prejudicando os eventos da mitose. Esses efeitos citotóxicos são sistêmicos, ocorrendo nas células tumorais e nas normais(15,16), todavia, ainda é obscura grande parte de seus mecanismos, assim como suas manifestações clínicas nos diferentes órgãos, tecidos e células humanas(10). A diminuição do fluxo salivar é uma complicação extremamente comum nos pacientes portadores de CCP submetidos a RT e QT, no entanto, os mecanismos pelos quais a função glandular em humanos é afetada ainda não estão bem definidos(10,17). Observa-se seu início logo nos primeiros dias de tratamento, e se mostra mais evidente após doses totais de 20 Gy, o que corresponde, aproximadamente, à segunda semana de RT(18). Acredita-se que até 72% da quantidade de saliva presente antes da RT tende a ser recuperada após sua finalização, porém, é relatado que doses totais maiores que 60 Gy são capazes de promover danos irreversíveis nas glândulas salivares(18-20). Além disso, a diminuição do fluxo salivar é acompanhada por alterações nas características da saliva, como pH, concentração de proteínas e íons, viscosidade e coloração, gerando uma série de efeitos secundários deletérios sobre os tecidos bucais e suas funções básicas(19,21,22). Não existe ainda um tratamento totalmente eficaz para o hipofluxo salivar induzido por RT e QT(23). Diversos métodos e técnicas são descritos na literatura na tentativa de minimizá-lo, bem como suas consequentes complicações, todavia, muitos são paliativos e direcionados apenas para os sintomas(3). Visto que o uso de saliva artificial e estimulantes mecânicos e gustatórios muitas vezes não são bem aceitos pelos pacientes, e os sialogogos sistêmicos, como a pilocarpina e o betanecol, podem resultar em efeitos colaterais importantes, outras soluções vêm ganhando destaque e interesse clínico. Entre estas, destacam-se a transposição cirúrgica de glândulas salivares maiores, os citoprotetores(11,24), a acupuntura(21) e o uso do laser de baixa potência(11,25). A terapia com luz laser de baixa potência tem demonstrado ser eficaz no tratamento das mais diversas condições ou doenças, por promover biomodulação do metabolismo celular, analgesia e efeitos anti-inflamatórios, sem efeitos mutagênicos e fototérmicos. A conversão da energia luminosa do laser em energia útil para as células, decorrente de reações fotoquímicas e fotofísicas, é capaz de estimular a produção de trifosfato de adenosina mitocondrial, proliferação celular e síntese proteica(3,20,26). Estes mecanismos possibilitam o emprego do laser de baixa potência como agente estimulador do fluxo salivar em portadores de diversas condições ou doenças que envolvam sua diminuição, tais como síndrome de Sjögren(20), aplasia de glândulas salivares, uso de medicações e até mesmo em pacientes submetidos a RT e QT(25). Por não ser invasiva, apresentar baixo custo e facilidade de aplicação, a laserterapia de baixa potência está disponível na rotina clínica da maioria dos serviços oncológicos, sendo utilizada há muito tempo para tratamento e prevenção das mucosites induzidas por RT e QT(27). No entanto, ainda não há padronização dos protocolos que devem ser adotados especificamente para cada condição, dificultando a dosimetria pelo clínico. Em razão da importância dos efeitos radioinduzidos e quimioinduzidos na qualidade de vida dos pacientes portadores de CCP, o presente estudo teve como objetivo verificar a eficácia da laserterapia de baixa potência, realizada concomitante a RT e QT, na prevenção do hipofluxo salivar após finalização do tratamento oncológico. MATERIAIS E MÉTODOS Pacientes Conduziu-se este estudo prospectivo no Setor de Radioterapia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no período de junho de 2010 a agosto de 2012. Foram incluídos 30 pacientes portadores de CCP (cavidade oral, faringe, laringe e tumor primário oculto) submetidos a RT-3D convencional, com campos de irradiação englobando obrigatoriamente todas as glândulas salivares maiores. A dose total variou de 66 a 70 Gy, administrada em frações de 2 Gy/dia, semanalmente, combinada com cisplatina (40 mg/m2) e associada ou não a cirurgia. A RT foi realizada em acelerador linear (6 MV, Varian) ou em telecobaltoterapia - 60Co (Alcyon II, CGR-MeV), em áreas cervicofaciais e fossas supraclaviculares. Todos os pacientes eram maiores de 18 anos e apresentavam índice da escala de Karnofsky > 70. Foram excluídos pacientes portadores de diabetes mellitus, doenças autoimunes, infectocontagiosas e do colágeno, tumores iniciais (T1 e T2) limitados à laringe, trismo ou limitação de abertura da boca por sequela cirúrgica. Todos os sujeitos de pesquisa leram e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp - parecer do CEP 0844/10. Procedimentos clínicos Todos os pacientes foram submetidos a preparo e adequação bucal pré-RT, que incluiu: tratamento periodontal e restaurador, exodontias, remoção de fatores que pudessem influenciar na gravidade dos efeitos agudos e tardios da RT (próteses mal adaptadas, restaurações inadequadas) e aconselhamento da suspensão do uso de aparelhos protéticos removíveis. Foram também esclarecidos a respeito das complicações orais mais frequentes e orientados quanto à higiene oral. Além disso, receberam tratamento clínico que consistiu na prescrição de enxaguatórios com chá de camomila (cinco vezes por dia), solução de bicarbonato de sódio (três vezes por dia), antifúngicos (quando necessários) e aplicação diária de flúor em gel neutro a 2% (pacientes dentados). Todos foram avaliados três vezes por semana durante a RT e QT. Por terem retirado seus consentimentos durante a pesquisa, não terem realizado todos os procedimentos propostos, ou por falecimento, apenas 23 pacientes puderam ser efetivamente avaliados. Portanto, foram contabilizados 13 pacientes que receberam laserterapia (grupo laser) e 10 que receberam apenas o tratamento clínico convencional (grupo controle). Oito doentes operados previamente foram distribuídos numericamente de forma homogênea entre os dois grupos, entretanto, assim como todos os outros sujeitos de pesquisa, foram agrupados de forma aleatória. Laserterapia A laserterapia foi realizada com aparelho InGaAlP laser diodo (Twin Laser - MMOptics® Ltda.; São Carlos, SP, Brasil), três vezes por semana, em dias alternados e sempre pelo mesmo cirurgião-dentista. A laserterapia foi iniciada previamente à primeira sessão de RT e QT e terminou posteriormente à última sessão de RT e QT, totalizando 21 sessões. Para a laserterapia intraoral, utilizou-se o comprimento de onda de 660 nm e 40 mW de potência, sendo a dose média de 10 J/cm2. O tempo de irradiação com laser por ponto foi 10 segundos, de acordo com o tamanho da ponta do emissor (0,04 cm2). Sempre excluindo a área do tumor, foram iluminados três pontos em ambas as mucosas jugais (direita e esquerda), três na mucosa labial superior e três na inferior, dois no palato duro, um no palato mole, um no dorso da língua, dois nas bordas da língua bilateralmente, um no pilar amigdaliano direito e um no esquerdo, e dois no assoalho bucal. Para a aplicação extraoral, utilizou-se o comprimento de onda de 780 nm, potência de 15 mW, com dose média de 3,8 J/cm2. O tempo de aplicação foi 10 segundos por ponto, de acordo com o tamanho da ponta do emissor do laser (0,04 cm2). Foram iluminados seis pontos em cada glândula parótida e dois em cada glândula submandibular. A fibra ótica da peça de mão do laser foi colocada sempre perpendicularmente e em contato com o tecido durante as aplicações. Método de desinfecção química (álcool 70%) foi utilizado na limpeza do aparelho, além de barreira plástica individual. Durante o tratamento, o operador do laser e o paciente usaram óculos de proteção com lentes específicas. Coleta de saliva Foram realizadas para avaliação do fluxo salivar, na primeira sessão de RT e QT (N0) e 30 dias após a última (N30), sialometria não estimulada e estimulada, ambas de acordo com o Protocolo 97-09 do RTOG(28). Para a realização da sialometria não estimulada, os pacientes foram instruídos a permanecer sentados, com os olhos abertos e com a cabeça ligeiramente inclinada para frente, devendo também diminuir os movimentos orofaciais. Posteriormente, foram orientados a engolir toda a saliva da boca e então deixar acumular saliva no assoalho bucal por 60 segundos, sem engolir. Em seguida, deveriam cuspir o volume acumulado em um tubo de coleta graduado. O procedimento foi realizado mais quatro vezes, totalizando cinco minutos. O frasco com a saliva coletada foi deixado fechado e em repouso de um dia para o outro. No final, o fluxo salivar, em mililitros (mL), foi calculado por minuto por meio de média aritmética. Para a coleta de saliva estimulada, primeiramente foi solicitado que o paciente esvaziasse a boca de qualquer saliva ou muco. Em seguida, uma solução de citrato de sódio a 2% foi aplicada nas bordas laterais da língua com o auxílio de uma haste plástica com algodão, cinco vezes durante dois minutos (0, 30, 60, 90 e 120 segundos). O frasco com a saliva coletada também foi deixado fechado e em repouso de um dia para o outro. No final, o fluxo salivar, em mL, foi calculado por minuto pela média aritmética. Análise estatística As variáveis categóricas (gênero, etnia, etilismo, tabagismo, sítio primário, tipo histológico, estádio, cirurgia e dose total de radiação) foram submetidas a análise estatística descritiva. As médias dos fluxos salivares estimulados e não estimulados foram submetidas a análise estatística analítica. O teste de Wilcoxon foi utilizado para verificação da possível diferença dos valores das sialometrias dentro de cada grupo, nos diferentes tempos de estudo. Com o objetivo de comparar as possíveis alterações sialométricas entre grupos, em N0 e N30, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Valores significantes foram adotados para p < 0,05. Utilizou-se o programa de análise estatística Statistical Package for the Social Sciences, versão 21.0. RESULTADOS Algumas características demográficas, do tumor e do tratamento dos pacientes estão referidas nas Tabelas 1 e 2.