Sr. Editor,
Paciente mulher, 60 anos, com queixa de dor no hipocôndrio esquerdo, febre, vômito e diarreia, quadro iniciado há uma semana. Exames físico e laboratoriais não indicaram alterações significativas. Foi realizada ultrassonografia, que demonstrou imagem cística septada junto ao estômago, de paredes espessas e
debris no seu interior, sem caracterização de fluxo ao estudo Doppler (Figura 1A). Realizou-se também tomografia computadorizada (TC), que identificou lesão parietal expansiva no corpo gástrico, medindo 5,9 × 4,5 cm, com impregnação pelo contraste nas paredes e septos, notadamente na fase portal, além de componente central hipodenso e sem realce, esses últimos achados podendo representar necrose (Figura 1B). Foram elaboradas as hipóteses diagnósticas de adenocarcinoma gástrico e tumor estromal gastrintestinal. A paciente foi submetida a endoscopia digestiva alta, que mostrou lesão elevada na grande curvatura gástrica, com mucosa ulcerada e irregular (Figura 2A). Foi realizada biópsia, com resultado inconclusivo, optando-se pela ressecção da lesão. O exame histopatológico da peça cirúrgica demonstrou tratar-se de granuloma alimentar (Figura 2B). A paciente obteve alta hospitalar no quinto dia pós-operatório, com posterior seguimento ambulatorial.
Figura 1. A: Ultrassonografia demonstrando imagem cística septada no hipocôndrio esquerdo, sem caracterização de fluxo ao estudo Doppler (seta).
B: TC de abdome mostrando massa na parede do estômago (cabeça de seta). Estômago preenchido por contraste (asterisco).
Figura 2. A: Endoscopia digestiva alta identificando lesão expansiva com mucosa ulcerada e irregular na grande curvatura do corpo gástrico (seta).
B: Microscopia mostrando processo inflamatório granulomatoso, algumas vezes em paliçada, com numerosas células gigantes multinucleadas do tipo corpo estranho.
Granuloma alimentar é uma lesão benigna
(1) e extremamente rara
(2,3). Foi primeiramente descrito por Knoblich, em 1969, como lesão pulmonar
(4). Em 1971, Lewars descreveu a primeira lesão oral
(5), e somente a partir de 2001 foram publicados relatos da doença no tubo digestivo extrabucal
(6).
Caracteriza-se por reação granulomatosa crônica a corpo estranho de origem vegetal (CEV)
(1), geralmente celulose indigerível, que se deposita abaixo da mucosa
(3). A maioria dos pacientes tem histórico de doença intestinal (diverticulite, fístula, perfuração, colite ulcerativa, apendicite ou extravasamento de anastomose)
(7), propiciando que o CEV atinja as camadas profundas da parede intestinal. A cavidade oral é o local mais acometido, sendo extremamente incomum a ocorrência em outros sitios
(3). Todavia, encontram-se descrições de granuloma alimentar no estômago, intestino delgado, cólon, peritônio, mesentério, sistema geniturinário e pele
(2,7).
Acomete predominantemente homens
(7), em ampla faixa etária, com estudos descrevendo casos em pacientes com idades entre 13 e até 85 anos
(7). Os sintomas são vagos e inespecíficos
(8), às vezes apresentando-se com dor e desconforto abdominal
(2). O exame físico geralmente é frustro, mas massa palpável pode ser caracterizada
(2,7).
A avaliação por imagem do granuloma alimentar é usualmente feita pela ultrassonografia, com achados muitas vezes inespecíficos, ou pela TC, de maior relevância por sua elevada sensibilidade e especificidade para detecção e caracterização de corpos estranhos no trato gastrintestinal
(8). Ainda assim, por não ser o CEV hiperdenso, normalmente o diagnóstico definitivo não é obtido pela TC. A endoscopia digestiva alta é uma ferramenta útil no estudo das lesões gástricas e permite a coleta de material para avaliação histopatológica. Entretanto, as biópsias endoscópicas são geralmente pequenas e superficiais, o que pode dificultar a confirmação diagnóstica do granuloma alimentar
(8). O diagnóstico é de exclusão com base histopatológica
(1). A possibilidade de granuloma alimentar deve ser aventada nos casos de lesões expansivas no trato gastrintestinal
(8), tendo como principais diagnósticos diferenciais o adenocarcinoma, o tumor estromal gastrintestinal e os leiomiomas
(8). O tratamento definitivo é cirúrgico
(1).
REFERÊNCIAS
1. Razavi A, Vlcek D, Kutten-Berger JJ. Oral pulse granuloma of the mandible – a case report. Swiss Dent J. 2014;124:665–76.
2. Geramizadeh B, Mousavi SJ, Bananzadeh A. Omental mass caused by pericolic vegetable granuloma: a rare case report. Ann Colorectal Res. 2014;2:e20233.
3. Yeo NK, Eom DW, Lim HW, et al. Vegetable or pulse granuloma in the nasal cavity. Clin Exp Otorhinolaryngol. 2014;7:334–7.
4. Knoblich R. Pulmonary granulomatosis caused by vegetable particles. So-called lentil pulse pneumonia. Am Rev Respir Dis. 1969;99:380–9.
5. Lewars PH. Chronic periostitis in the mandible underneath artificial dentures. Br J Oral Surg. 1971;8:264–9.
6. Rhee DD, Wu ML. Pulse granulomas detected in gallbladder, fallopian tube, and skin. Arch Pathol Lab Med. 2006;130:1839–42.
7. Nowacki NB, Arnold MA, Frankel WL, et al. Gastrointestinal tract-derived pulse granulomata: clues to an underrecognized pseudotumor. Am J Surg Pathol. 2015;39:84–92.
8. Shan GD, Chen ZP, Xu YS, et al. Gastric foreign bogy granuloma caused by an embedded fishbone: a case report. World J Gastroenterol. 2014;20:3388–90.
Hospital Santa Catarina de Blumenau, Blumenau, SC, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. Maurício Fabro
Hospital Santa Catarina de Blumenau – Radiologia
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