Sr. Editor,
Mulher, 63 anos, negra, queixando-se de dificuldade para urinar e polaciúria. Referiu episódios de disúria e hematúria há oito meses. Fumou por 10 anos e parou há 30 anos. História de três gestações com partos via vaginal e submetida a histerectomia total há 17 anos.
Ressonância magnética pélvica revelou, abaixo da bexiga urinária, formação cística envolvendo a uretra, compatível com divertículo uretral (DU), exibindo em seu interior componente sólido com realce ao meio de contraste paramagnético, sugerindo processo expansivo (Figura 1). A comunicação com a uretra foi bem definida após passagem de sonda vesical. Estudos histológico e imuno-histoquímico após ressecção cirúrgica do divertículo diagnosticaram carcinoma urotelial papilífero intradiverticular.
DUs são mais comuns em mulheres, entre 30 e 60 anos, com prevalência de 0,6–6%
(1–8). Alguns estudos descrevem maior incidência em negros
(3,4,7). Usualmente, são subdiagnosticados devido ao quadro clínico inespecífico
(2,4–6) ou assintomático (até 20% dos casos)
(4,8). O terço médio da uretra é mais acometido, sítio usual das glândulas parauretrais ou de Skene, e 96% dos óstios diverticulares se localizam posterolateralmente
(1–5,8). A causa adquirida é mais comum, com provável origem em dilatações/abscessos nas referidas glândulas. Outras causas são traumas ou cirurgias
(1–5,8). Habitualmente, medem 0,2–1,6 cm
(5), podendo ser únicos ou múltiplos, simples ou multiloculados, localmente restritos ou circundantes à uretra (aspecto em "ferradura"), com um ou vários óstios estreitos ou amplos
(1,2). Diagnósticos diferenciais incluem cistos cervicovaginais, abscessos, tumores, endometriose uretral, ureterocele ectópica
(2,4,5).
Figura 1. RM da pelve.
A,B: Imagens de sequências ponderadas em T2, planos coronal e axial, respectivamente, mostrando formação cística envolvendo a uretra e exibindo hipersinal, representando o divertículo, medindo aproximadamente 5,5 × 5,3 × 5,4 cm. Observa-se em seu interior extensa formação expansiva sólida com sinal intermediário. Caracterizou-se o trajeto ureteral após passagem de sonda vesical (setas).
C: Imagem de sequência ponderada em T1 caracterizando o divertículo uretral com hipossinal (cabeça de seta).
D: Imagem de sequência ponderada em T1 com saturação de gordura, pós-administração de meio de contraste paramagnético intravenoso, demonstrando o realce pela formação expansiva sólida em seu interior, com sonda vesical no interior da uretra (seta).
Os achados clínicos incluem a tríade clássica de disúria (30–70%), dispareunia (10–25%) e gotejamento pós-miccional (10–30%), além de polaciúria ou urgência miccional (40–100%), incontinência urinária (32–60%), infecções urinárias recorrentes (30–50%), hematúria (10–25%), abaulamento na parede vaginal anterior (35%), acompanhado de descarga uretral purulenta à palpação (12%)
(1–8). Inflamação crônica e estase urinária nos DUs acarretam complicações
(3,4) como cálculos (1,5–10%) e tumores malignos
(1–8) (menos de 5% das neoplasias uretrais
(4,8), com descrição de menos de 200 casos)
(1,2,7,8). As malignidades incluem adenocarcinomas (49–61%), carcinomas de células transicionais (27–30%) e de células escamosas (10–12%)
(1–5).
Métodos de diagnóstico por imagem:
uretrocistografia miccional – tecnicamente simples, com acurácia de 85%, demonstra preenchimento do divertículo pelo meio de contraste e falhas de enchimento sugerindo cálculos ou tumores, contudo, utiliza agente iodado e pode não caracterizar facilmente DUs com óstios pequenos
(1,4,5);
uretrografia com duplo balão – acurácia de 90%, mostra achados semelhantes à uretrocistografia e mesmas desvantagens, além de ser invasiva e complexa
(1,4,5);
ultrassonografia – melhor acurácia pelas vias endouretral (próxima de 100%, entretanto é invasiva) e translabial/transperineal (alta acurácia e baixa invasividade). Caracteriza as formações císticas e possíveis conteúdos sólidos internos vascularizados. No entanto, é examinador-dependente e limitada na avaliação de DUs colabados
(1,4,5);
tomografia computadorizada – útil na identificação de cálculos e tumores (componentes sólidos e realçantes), entretanto, possui baixa sensibilidade para pequenos DUs
(1,4,5);
ressonância magnética – método de eleição, tem sensibilidade próxima a 100%, não é invasiva, com ótimo contraste entre os tecidos e discriminação da complexidade das estruturas, caracterizando pequenos DUs e eventuais neoplasias
(1,2,4–6,8). Nas sequências ponderadas em T2 os DUs demonstram hipersinal, podendo ser hipointensos se tiverem conteúdo espesso
(1,2,4,6). Componentes sólidos tumorais apresentam-se como lesões vegetantes com sinal intermediário em T2 e T1, podendo restringir a difusão, exibindo realce significativo após a administração intravenosa de contraste
(1,2).
REFERÊNCIAS
1. Chou CP, Levenson RB, Elsayes KM, et al. Imaging of female urethral diverticulum: an update. Radiographics. 2008;28:1917–30.
2. Chaudhari VV, Patel MK, Douek M, et al. MR imaging and US of female urethral and periurethral disease. Radiographics. 2010;30:1857–74.
3. Tines SC, Bigongiari LR, Weigel JW. Carcinoma in diverticulum of the female urethra. AJR Am J Roentgenol. 1982;138:582–5.
4. Khati NJ, Javitt MC, Schwartz AM, et al. MR imaging diagnosis of a urethral diverticulum. Radiographics. 1998;18:517–22.
5. Hosseinzadeh K, Furlan A, Torabi M. Pre- and postoperative evaluation of urethral diverticulum. AJR Am J Roentgenol. 2008;190:165–72.
6. Dwarkasing RS, Dinkelaar W, Hop WCJ, et al. MRI evaluation of urethral diverticula and differential diagnosis in symptomatic women. AJR Am J Roentgenol. 2011;197:676–82.
7. Ahmed K, Dasgupta R, Vats A, et al. Urethral diverticular carcinoma: an overview of current trends in diagnosis and management. Int Urol Nephrol. 2010;42:331–41.
8. Grimsby GM, Wolter CE. Signet ring adenocarcinoma of a urethral diverticulum. J Surg Case Rep. 2011;2011:2.
Documenta – Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. Rodolfo Mendes Queiroz
Documenta – Centro Avançado de Diagnóstico por Imagem
Rua Bernardino de Campos, 980, Centro
Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14015-130
E-mail:
rod_queiroz@hotmail.com