Sr. Editor,
Dois pacientes do sexo masculino, 38 anos (paciente 1) e 32 anos (paciente 2), apresentando queixas e quadro clinicolaboratorial a seguir descritos.
Paciente 1 – Náuseas e vômitos pós-prandiais intermitentes, há cerca de dois meses, associados a leve dor abdominal, diarreia e perda ponderal. Ao exame físico estava emagrecido, com discreto edema de membros inferiores. Exames laboratoriais apresentavam redução da albumina (0,9 g/dL) e proteína C reativa elevada (31,4 mg/L). O exame de tomografia computadorizada (TC) do abdome revelou espessamento parietal difuso de segmentos do intestino delgado, mais acentuado na região do jejuno e segunda porção do duodeno, distensão gástrica, espessamento e realce mucoso, dilatação do colédoco (Figura 1) e líquido livre na cavidade peritoneal.
Paciente 2 – Náuseas e vômitos pós-prandiais associados a dor abdominal de leve intensidade há um mês, com exacerbação há um dia. Ao exame físico apresentava-se emagrecido, com leve dor à palpação abdominal. Exames laboratoriais mostravam discreta leucocitose sem desvio, redução da albumina (2,2 g/dL) e proteína C reativa elevada (65,1 mg/L). A TC demonstrava acentuado espessamento parietal de segmentos de jejuno, associado a dilatação gastroduodenal a montante, discreta dilatação do ducto colédoco e aerobilia, com focos gasosos observados também no ducto pancreático principal (Figura 2). O diagnóstico de estrongiloidíase foi confirmado nos dois casos por biópsia gástrica e duodenal e pelo exame parasitológico de fezes. Os pacientes foram tratados com medidas de suporte e ivermectina, com significativa melhora de seus sintomas.
Figura 1. TC com contraste intravenoso demonstrando acentuada distensão gástrica com realce mucoso, dilatação do colédoco (seta em
A) e espessamento parietal de segmentos do intestino delgado (seta em
B), com distensão hídrica de alças intestinais.

Figura 2. TC com contraste intravenoso, imagens nos planos coronal (
A) e sagital (
B) mostrando acentuada distensão gástrica e duodenal (setas longas em
A) associada a gás na árvores biliar e pancreática (setas curtas em
A), e com o sinal de "cano de chumbo", caracterizado por espessamento parietal, rigidez e estreitamento da luz do delgado (seta em
B).
O
Strongyloides stercoralis é um helminto intestinal endêmico em muitas regiões com climas tropicais, subtropicais e em algumas áreas de clima temperado
(1–3). Pode manifestar-se como uma síndrome clínica envolvendo pele, pulmões e/ou trato gastrintestinal
(3).
Cerca de metade dos casos de infecção por
S. stercoralis é assintomática
(4,5). Quando presentes, os sintomas de estrongiloidíase são vagos e podem incluir dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos
(1). Menos frequentemente, podem ocorrer síndrome de malabsorção, íleo paralítico, obstrução intestinal (podendo estar associado a aerobilia) e sangramento gastrintestinal
(4–6).
Os achados de imagem das alterações do intestino delgado são inespecíficos e semelhantes aos de outras causas de doença inflamatória/infecciosa intestinal, destacando-se o edema da parede duodenal e do delgado proximal, com congestão da mucosa, pregas grosseiras e dilatação de alças
(7–9). A aparência radiológica nesse estágio assemelha-se aos achados vistos na hipoalbuminemia, ascite e peritonite. A associação com dilatação do estômago e espessamento da mucosa gástrica é menos frequente em outras causas inflamatórias e é decorrente, na estrongiloidíase, de estreitamento do lúmen e espessamento das dobras duodenais, produzindo a aparência em "cano de chumbo" (Figura 2B) e distensão a montante, como visto nos pacientes aqui apresentados
(9). Em alguns casos, observa-se refluxo de contraste oral para a árvore biliar ou aerobilia, decorrente de um esfíncter de Oddi incompetente, causado por inflamação grave da parede duodenal, como observado no paciente 2
(10). Não encontramos casos relatados de gás no ducto pancreático principal, mas a causa deve ser a mesma que provoca a aerobilia.
Na presença de manifestações intestinais, os principais diagnósticos diferenciais de estrongiloidíase incluem doença de Crohn, linfoma, tuberculose e outras causas de enterocolites. Os exames laboratoriais e alguns aspectos tomográficos, como a presença de extensa linfondomegalia no linfoma e necrose linfonodal na tuberculose, podem auxiliar na distinção das doenças
(11). Por ter apresentação clínica inespecífica, e particularmente em casos de pacientes imunossuprimidos, pode evoluir para uma forma disseminada com sepse e choque
(12). O diagnóstico de estrongiloidíase deve ser suspeitado e confirmado precocemente, e isto pode ser feito pela análise de alguns sinais radiológicos aqui descritos. O diagnóstico definitivo é baseado nos achados de larvas nas fezes, na secreção traqueal, no lavado brônquico, no aspirado gástrico ou nas biópsias gástrica, jejunal, cutânea e pulmonar
(12). A estrongiloidiase intestinal inclui-se como um importante diagnóstico diferencial entre as doenças inflamatórias do intestino delgado, devendo ser considerada na presença de alguns aspectos clínicos e de uma combinação de achados de imagem, tais como espessamento e realce mucoso do delgado, distensão gástrica e alterações biliopancreáticas como dilatação e aeropancreatobilia.
REFERÊNCIAS
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9. Dallemand S, Waxman M, Farman J. Radiological manifestations of Strongyloides stercoralis. Gastrointest Radiol. 1983;8:45–51.
10. Louisy CL, Barton CJ. The radiological diagnosis of Strongyloides stercoralis enteritis. Radiology. 1971;98:535–41.
11. Ortega CD, Ogawa NY, Rocha MS, et al. Helminthic diseases in the abdomen: an epidemiologic and radiologic overview. Radiographics.
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. José Henrique Frota Júnior
Departamento de Diagnóstico por Imagem – EPM-Unifesp
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