Leandro Lopes Fernandes Alves1; Marcia Salim de Martino2; Cristina Ortiz Sobrinho3; Adauto Dutra Moraes Barbosa4
RESUMO
OBJETIVO: Investigar se ocorrem lesões cerebrais detectáveis na ressonância magnética (RM) cerebral em escolares que foram prematuros e tiveram hemorragia intracraniana diagnosticada pela ultrassonografia transfontanelar ao nascer. MATERIAIS E MÉTODOS: Foi realizada RM cerebral em 22 escolares, sendo 15 com história de hemorragia intracraniana e 7 não. Calculou-se a odds ratio (OR) de ocorrer alterações cerebrais detectáveis na RM cerebral e o valor de kappa para avaliar discrepâncias entre laudos radiológicos. RESULTADOS: Os escolares sem hemorragia intracraniana apresentaram RM cerebral normal. Dos 15 pacientes com hemorragia intracraniana, 6 (40%) tiveram alteração na RM cerebral na idade escolar, sendo 2 (13,3%) com alteração ventricular isolada e 4 (26,7%) com assimetria ventricular associada a lesão parenquimatosa. Nove escolares (60%) com hemorragia intracraniana apresentaram RM cerebral normal. Os escolares com hemorragia intracraniana tiveram maior chance de apresentar alteração ventricular (OR = 7,8) e lesão parenquimatosa (OR = 5,4) na RM cerebral. CONCLUSÃO: As alterações ventriculares e parenquimatosas detectadas na RM cerebral sugerem alterações morfológicas isoladas, que não constituem comprometimento neurológico detectável ao exame físico na idade escolar.
Palavras-chave: Recém-nascido; Prematuro; Hemorragia intracraniana; Ressonância magnética; Criança.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To determine whether preterm infants diagnosed with intracranial hemorrhage (by transfontanellar ultrasound) at birth have cerebral lesions that are detectable by magnetic resonance imaging (MRI) upon reaching school age. MATERIALS AND METHODS: MRI scans of the brain were obtained in 22 school-age children. Fifteen had presented intracranial hemorrhage at birth, and seven had not. We calculated the odds ratio (OR) for the occurrence of brain alterations detectable by MRI and the kappa index for discrepancies among the radiological reports. RESULTS: The children without previous intracranial hemorrhage presented normal MRI findings. Of the 15 children with previous intracranial hemorrhage, 6 (40%) presented brain alterations on MRI: isolated ventricular alteration (dilation and asymmetry), in 2 (13.3%); and ventricular asymmetry accompanied by parenchymal lesion, in 4 (26.7%). The nine remaining children with previous intracranial hemorrhage (60%) presented normal MRI findings. The children with previous intracranial hemorrhage were more likely to present ventricular alteration (OR = 7.8) and parenchymal lesions (OR = 5.4). CONCLUSION: Ventricular and parenchymal brain alterations detected by MRI suggest isolated morphologic alterations that do not result in neurological impairment detectable on physical examination in school-age children.
Keywords: Newborn; Premature; Intra]cranial hemorrhage; Magnetic resonance imaging; Child.
INTRODUÇÃO É frequente o quadro de hemorragia intracraniana no período perinatal em recém-nascidos prematuros, especialmente nos de extremo baixo peso (< 1.000 g) ou com idade gestacional inferior a 32 semanas(1,2). Ela ocorre em 20% a 25% dos prematuros que nascem antes das 30 semanas de gestação ou pesando menos que 1.500 g. Seu desfecho em longo prazo, em especial na idade escolar, ainda é controverso(3), e estudos de imagem cerebral relacionada a esse problema não têm sido descritos e publicados. O objetivo deste estudo foi investigar a existência de lesões cerebrais diagnosticáveis pelo exame de ressonância magnética (RM) de crânio em pacientes em idade escolar, que nasceram prematuros e que tiveram algum grau de hemorragia intracraniana ao nascer. MATERIAIS E MÉTODOS Estudo analítico, transversal, descritivo, tipo caso controle, realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), no período de julho de 2014 a junho de 2015. Este estudo respeitou todos os quesitos que regem a resolução 196/96 sobre ética em pesquisa com seres humanos do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense. Foram incluídas no estudo crianças em idade escolar que nasceram prematuramente na maternidade do hospital entre janeiro de 2006 e dezembro de 2008 e apresentaram hemorragia intracraniana, diagnosticada por ultrassonografia transfontanelar (USTF), até o 7º dia de vida, e que foram acompanhadas no ambulatório do hospital e constituíram o grupo hemorragia intracraniana. Foram incluídas, para compor o grupo controle, crianças que nasceram prematuramente no período supracitado, mas que apresentaram USTF ao nascer sem sinais de hemorragia. Foram excluídos os escolares que não apresentavam dados da USTF no prontuário ou apresentavam dados incompletos ou discordantes; pacientes que tivessem apresentado qualquer doença neurológica durante a infância, não relacionada a hemorragia intracraniana; escolares que não conseguiram realizar o exame de RM de crânio por medo ou que o exame tenha ficado de má qualidade técnica por artefatos de movimento do paciente. Os dados foram levantados por meio de busca ativa nos registros dos arquivos do Ambulatório de Seguimento de Recém-Nascido de Risco do HUAP e colocados em uma lista que incluía o nome do paciente, a data de nascimento, o nome da mãe e o número do prontuário. Após análise minuciosa desses prontuários, foram levantadas as seguintes variáveis: intercorrências maternas durante a gravidez, tipo de parto, idade gestacional, peso ao nascimento, índice de Apgar no 1º e 5º minutos, tempo de permanência hospitalar e intercorrências do recém-nascido no período pós-natal (sepse, tempo de ventilação mecânica, presença ou não de hemorragia intracraniana, icterícia e doença da membrana hialina). Os exames de USTF avaliados no estudo estavam descritos nos prontuários, com a caracterização da lesão pela sua localização, aspecto de imagem e grau de hemorragia intracraniana. Para sua realização foi utilizado aparelho Toshiba Nemio (Toshiba Medical Systems; Tóquio, Japão), com sondas convexa e linear (6–10 MHz). Alguns apresentavam fotos impressas do momento do exame em papel específico de ultrassonografia. Os exames de RM de crânio foram realizados após convocação e aceite do responsável pela criança para participação no estudo. Utilizou-se aparelho GE Signa HDxt de 1,5 tesla (General Electric Medical Systems; Waukesha, WI, EUA), com bobina dedicada para crânio, com as sequências anatômicas e funcionais axiais T1, T2, FLAIR e SWI, sagital T1 e coronal T2, seguindo protocolos de realização de RM de crânio em pacientes pediátricos(4–6). Para realização da RM de crânio não foram utilizados gadolínio e sedação. As imagens da RM de crânio foram enviadas para um servidor computadorizado e avaliadas em tempos distintos, por dois radiologistas do Serviço de Radiologia do HUAP, que não participaram do estudo e não tinham dados a respeito dos laudos de USTF perinatal. Os laudos dos exames foram descritivos, com avaliação do parênquima cerebral e sistema ventricular. Os exames que estavam alterados foram divididos de acordo com a localização da alteração (parênquima cerebral ou sistema ventricular) e o tipo da lesão (assimetria ventricular, dilatação ventricular, gliose ou resíduo de hemoglobina). Os radiologistas que descreveram os laudos, tanto da USTF quanto da RM de crânio, eram profissionais portadores do título de especialista do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, professores universitários, com pelo menos 15 anos de exercício na especialidade. Todos os dados foram tabulados no programa Excel e foi usado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) para sua análise. Inicialmente, utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliação do tipo de distribuição dos dados coletados. Empregou-se o teste t de Student para as variáveis quantitativas e o teste do qui-quadrado para as variáveis qualitativas, por meio de análise bivariada. Calculou-se a odds ratio (OR), ou razão de chance, de ocorrer alteração estrutural cerebral na RM nos recémnascidos que apresentaram hemorragia intracraniana. O valor de kappa foi calculado para avaliar a discrepância entre os resultados observados pelos dois radiologistas. RESULTADOS Foram encontrados 80 pacientes na fase inicial da busca aos prontuários, 65 com hemorragia intracraniana e 15 sem hemorragia. Do total de 80 pacientes iniciais, 32 (40%) foram localizados e aceitaram realizar a RM de crânio. Destes, 10 não conseguiram realizar o exame por algum tipo de problema, restando uma amostra final de 22 pacientes, dos quais 15 apresentaram hemorragia intracraniana perinatal (68,2%) e 7 não (31,8%). No momento da realização da RM de crânio, os escolares participantes do estudo tinham idade entre 6 anos e 5 meses e 8 anos e 6 meses, com média e desvio-padrão de 7 anos ± 7 meses e mediana de 6 anos e 9 meses. Quando comparadas as idades de realização da RM de crânio entre os grupos, não foram observadas diferenças (Tabela 1). Considerando-se os resultados dos exames de RM de crânio dos 22 escolares analisados, 16 foram normais (72,8%) e 6 apresentaram algum tipo de alteração (27,2%), sendo 2 com alteração ventricular isolada (9%) (Figura 1) e 4 com alteração ventricular e parenquimatosa concomitante (18%). Levando-se em conta somente os 15 escolares com história de hemorragia intracraniana, essa proporção aumenta, com 40% apresentando algum tipo de alteração, sendo 13,3% com alteração ventricular isolada e 26,7% com alteração ventricular e parenquimatosa. Nenhum paciente do estudo apresentou alteração parenquimatosa isolada sem alteração ventricular. Os sete escolares do grupo sem hemorragia intracraniana perinatal não apresentaram alteração detectável na RM de crânio.