Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro1; Bernardo Carvalho Muniz2; Emerson Leandro Gasparetto3; Nina Ventura4; Edson Marchiori5
RESUMO
A infecção pelo vírus Zika, apesar de conhecida desde 1942, apresentou destaque somente a partir de 2007, quando uma verdadeira pandemia se espalhou pela África, Ásia e Américas. Durante este período, numerosas formas de acometimento do sistema nervoso central têm sido descritas, principalmente as malformações relacionadas a infecção congênita. Apesar de os achados de neuroimagem na síndrome congênita pelo vírus Zika não serem patognomônicos, muitos são bastante sugestivos, devendo o radiologista estar preparado para saber interpretar e sugerir o diagnóstico. O objetivo deste artigo é revisar os achados de tomografia computadorizada e ressonância magnética da síndrome congênita pelo vírus Zika.
Palavras-chave: Ressonância magnética; Tomografia computadorizada; Vírus Zika; Síndrome congênita pelo vírus Zika; Infecção congênita.
ABSTRACT
Although infection with the Zika virus was first recognized in 1942, it received little attention until 2007, when a true pandemic spread throughout Africa, Asia, and the Americas. Since then, numerous forms of central nervous system involvement have been described, mainly malformations related to congenital infection. Although the neuroimaging findings in congenital Zika syndrome are not pathognomonic, many are quite suggestive of the diagnosis, and radiologists should be prepared to interpret such findings accordingly. The objective of this article is to review the computed tomography and magnetic resonance imaging findings in congenital Zika syndrome.
Keywords: Magnetic resonance imaging; Computed tomography; Zika virus; Congenital Zika syndrome; Congenital infection.
INTRODUÇÃO Os flavivírus estão entre as viroses emergentes mais importantes conhecidas pelo homem, sendo transmitidos por mosquitos e carrapatos. A pandemia pelo vírus Zika (VZIK) é a mais recente das doenças virais transmitidas por artrópodes, posteriormente a dengue, vírus do Nilo Ocidental e chikungunya, que registraram surtos em 1990, 1999 e 2013, respectivamente(1). O VZIK é um arbovírus da família Flaviviridae, composto de ácido ribonucleico, descoberto na Uganda em 1947, porém com o primeiro caso descrito em humanos em 1952(1-8). Tipicamente, ocorre em áreas tropicais e subtropicais do mundo, principalmente na África e Ásia, com duas importantes linhagens, a asiática e a africana, originadas de um ancestral comum(1-8). Assim como outros arbovírus, o VZIK apresenta muitas barreiras para acumular mutações como consequência da dupla replicação, tanto em hospedeiros mamíferos como invertebrados, conduzindo assim a uma fixação relativamente lenta de mutações(5). A partir de 2007, o vírus, que até então estava confinado numa estreita zona equatorial na África e Ásia, ganhou larga escala, comprometendo a Micronésia e apresentando-se em 2013–2014 como uma epidemia na Polinésia Francesa e Nova Caledônia. Desde então, houve progressiva expansão da doença, comprometendo inclusive as Américas do Sul e Central e Ilhas Caribenhas(1,4), sendo fatores importantes para essa disseminação os deslocamentos de pessoas e a presença de vetores. O primeiro relato autóctone de transmissão no Brasil ocorreu em maio de 2015(4,8), com provável disseminação pelo Pacífico, uma vez que estudos filogenéticos revelaram alta similaridade (99,7% dos nucleotídeos e 99,9% dos aminoácidos) com o vírus circulante no Oceano Pacífico(2). O Brasil foi o país da América Latina mais afetado pelo VZIK, com aproximadamente 1.500.000 casos entre 2015 e 2016(3), podendo ter contribuído para acelerar a disseminação do vírus e de seu vetor o aquecimento global e as mudanças climáticas, em associação com o El Niño, além da pobreza e da falta de conscientização da população, claramente demonstradas pela epidemia ser mais intensa nas regiões pobres do Norte e Nordeste, principalmente nos Estados de Pernambuco, Bahia e Paraíba(3). Durante as epidemias, diversas formas de acometimento do sistema nervoso central (SNC) associadas à infecção pelo VZIK foram relatadas, como meningoencefalite, síndrome de Guillain-Barré e encefalomielite disseminada aguda(2,3,5,7,9). Ao mesmo tempo, numerosos casos de malformações do SNC potencialmente relacionadas com a infecção congênita pelo VZIK, caracterizando a síndrome congênita pelo VZIK, ganharam destaque na comunidade científica, sendo amplamente documentados por tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Apesar de os achados de neuroimagem na síndrome congênita pelo VZIK não serem patognomônicos, muitos são bastante sugestivos, devendo o radiologista estar preparado para saber reconhecê-los, interpretar e sugerir o diagnóstico. O objetivo deste artigo é revisar os achados de TC e RM na síndrome congênita pelo VZIK, e para isso realizamos pesquisa no banco de dados PubMed utilizando “Zika virus”, “congenital Zika virus infection”, “zika neuroimaging”, “zika magnetic resonance imaging”, “zika computed tomography” e “zika ultrasound”, sendo analisados os artigos indexados até maio de 2017. TRANSMISSÃO DO VZIK A transmissão ocorre principalmente pela picada de mosquitos do gênero Aedes, muito presentes nos trópicos e reconhecidamente transmissores da dengue, febre amarela e chikungunya. Apesar de o principal vetor da transmissão da VZIK ser o Aedes aegypti, outros mosquitos como Aedes albopictus, Aedes africanus, Aedes luteocephalus, Aedes vittatus, Aedes furcifer, Aedes hensilli e Aedes apicoargenteus podem também transmitir, assim como mosquitos dos gêneros Anopheles, Eretmapodites, Culex e Mansonia são potenciais vetores para a disseminação da doença(1,3,5,8). O A. aegypti é amplamente distribuído nas Américas, costuma viver próximo às pessoas e suas residências, coloca ovos em águas paradas e coletadas em baldes, potes de flores, canos vazios e outros contêineres, e pica principalmente durante o período do dia(3,4,7,8). O ciclo infeccioso começa quando espécies de Aedes ingerem sangue infectado pelo VZIK, iniciando um processo de replicação nas células epiteliais do intestino médio e alcançando as glândulas salivares do mosquito, que dura em torno de 5 a 10 dias, e a partir desse momento passam a ser capazes de transmitir para indivíduos saudáveis(3,4). Outras formas de transmissão são descritas na literatura, como transfusão sanguínea, sexual (oral, anal e vaginal), transplacentária, perinatal e pela urina(1,2,4,8). Em razão de a maioria dos pacientes infectados por VZIK ser assintomática, isto acarreta um risco muito grande na possibilidade de os doadores sanguíneos atuarem como fonte de transmissão em áreas endêmicas(8). Outras vias suspeitas de transmissão do VZIK incluem mordida de macacos, transplante de órgãos e hemodiálise(3). O risco de infecção pelo VZIK em transplante renal deve ser considerado caso o doador seja residente ou esteja retornando de área endêmica, uma vez que o VZIK pode ser encontrado na urina de pessoas infectadas por mais de 30 dias(3). Apesar de a partícula viral ter sido isolada no leite materno, não há até o momento evidência de transmissão pelo aleitamento materno, mesmo sendo descrita essa via de transmissão para outros flavivírus(3,5,10). ASPECTOS CLÍNICOS DA INFECÇÃO PELO VZIK A infecção pelo VZIK, em cerca de 75% a 80% dos casos, apresenta-se de forma assintomática(3). Nos casos sintomáticos, depois de um período de incubação de aproximadamente 3 a 12 dias, a manifestação mais comum é caracterizada por quadro autolimitado de febre baixa (37,8°C a 38,5°C), cefaleia, dores musculares, dores articulares nas pequenas articulações das mãos e pés, conjuntivite não purulenta, dor ocular, prostração e rash maculopapular pruriginoso, lembrando um quadro de dengue, porém mais brando, com regressão dos sintomas geralmente em 2 a 7 dias(1,3,4). Os parâmetros laboratoriais hematológicos e bioquímicos são geralmente normais(1,3). Depois da primeira infecção, a pessoa desenvolve imunidade e não apresentará a doença no futuro, caso seja exposta novamente ao vírus(2-5). Apesar de quadros graves e fatais serem muito raros, casos de síndrome de Guillain-Barré, meningoencefalite e encefalomielite disseminada aguda têm sido descritos na literatura(1,2,8,9,11), sendo tais achados corroborados pelo alto tropismo do VZIK pelo SNC(8). DIAGNÓSTICO Fauci et al.(12) reportaram que o diagnóstico pode ser principalmente clínico, mas que isto somente é aplicável em áreas de epidemia do VZIK e desde que não haja outras condições com apresentação clínica semelhante, como dengue e chikungunya. O diagnóstico de VZIK pode ser confirmado por amplificação do genoma viral por meio da reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) coletado de sangue, saliva, urina, líquor e líquido amniótico, porém, tal procedimento é caro e sujeito a contaminações. Além disso, devido à cinética da viremia do VZIK, a pesquisa depende do material coletado; por exemplo, no sangue e na saliva é limitada a pesquisa até o sétimo dia do início dos sintomas, podendo depois desse período ser utilizada a urina, a qual pode demonstrar a presença do vírus por mais de 30 dias do início dos sintomas, ou sêmen em pacientes do sexo masculino, o qual pode ser detectado num período de 3 a 8 semanas do início dos sintomas(1,3,8). Testes sorológicos para detecção de IgM contra VZIK costumam ser usados no 4º–5º dia do início dos sintomas, podendo permanecer presentes por até 2 a 3 meses, semelhante a outros flavivírus(2-4,8). TRATAMENTO Como na maioria dos casos a doença é autolimitada, o tratamento consiste em aumento da ingesta hídrica e repouso, devendo o tratamento farmacológico ser restrito ao alívio dos sintomas(3). Não há, até o momento, vacinas ou terapia antiviral disponíveis; portanto, são fundamentais medidas preventivas como a melhor forma de controle da doença, centradas na erradicação do vetor, como redução no número de reservatórios de água disponíveis para deposição de ovos e o uso de inseticidas, e medidas que evitem a picada do mosquito, mediante uso de repelentes(3,8). Aconselha-se, ainda, o uso de repelentes por no mínimo 14 dias para viajantes retornando de áreas endêmicas para áreas não afetadas, com o objetivo de evitar que mosquitos locais obtenham o vírus(3). O uso de preservativos ou a abstinência sexual também estão indicados em pacientes com clínica compatível ou provenientes de áreas endêmicas, principalmente caso a parceira esteja grávida(2,3). Há ainda a recomendação de algumas autoridades de saúde para que mulheres evitem engravidar durante o período epidêmico e que mulheres grávidas ou pretendendo engravidar evitem viajar para áreas endêmicas(3). Grávidas sintomáticas ou as com evidência de microcefalia pela ultrassonografia devem ser testadas para VZIK por RT-PCR. Nos casos positivos, é aconselhado controle ultrassonográfico a cada 3–4 semanas(2). Recentemente, o grupo de controle de vetores da Organização Mundial da Saúde discutiu o uso de mosquitos geneticamente modificados para o controle do A. aegypti. O mosquito macho OX513A teve sucesso no controle da dengue no Brasil, competindo com machos selvagens do A. aegypti(2). CAUSALIDADE ENTRE MALFORMAÇÕES E INFECÇÃO CONGÊNITA PELO VZIK A abordagem cautelosa em relação à atribuição do VZIK como causa de defeitos congênitos não surpreende, uma vez que a última epidemia de defeitos congênitos causados por um patógeno infeccioso (vírus da rubéola) ocorreu há mais de 50 anos(13). Além disso, nenhum flavivírus tinha sido demonstrado definitivamente como uma causa de defeitos em humanos, não havendo, ainda, nenhum relato prévio de eventos adversos na gravidez nos surtos anteriores do VZIK(13,14). Dois métodos têm sido utilizados para identificar potenciais teratógenos: primeiro, a identificação da combinação de uma exposição rara e apresentação de um defeito raro, como no caso do vírus da rubéola, que foi identificado por um oftalmologista depois de notar uma forma característica de catarata em crianças nascidas de mães com infecção por rubéola durante a gravidez(13,15); segundo, a identificação de uma relação causal pode ser o uso de estudos epidemiológicos, como no caso do ácido valproico, que foi identificado como um teratógeno depois de um estudo caso-controle demonstrar um aumento de 20 vezes na associação com espinha bífida, quando administrado durante o primeiro trimestre de gravidez(13,16). Em 1994, Thomas Shepard, um pioneiro no campo da teratologia, propôs sete critérios, incluindo os previamente citados, para confirmar a teratogenicidade(17). De acordo com esses critérios, causalidade é estabelecida quando os critérios 1, 3 e 4 estão presentes (abordagem exposição rara-defeito raro) ou quando os critérios 1, 2 e 3 são preenchidos (abordagem epidemiológica)(13). O primeiro critério de Shepard relaciona que a exposição de um determinado agente deve ocorrer num tempo crítico durante o desenvolvimento da gravidez. A presença de microcefalia e outras anormalidades cerebrais que têm sido observadas em muitos bebês são consistentes com infecção ocorrendo no primeiro trimestre ou no início do segundo trimestre de gestação. Uma análise do tempo de confirmação laboratorial de transmissão do VZIK em certos Estados do Brasil e o aumento dos casos de microcefalia identificaram o primeiro trimestre de gestação como o período crítico de infecção(18), preenchendo o primeiro critério. O segundo critério de Shepard requer que dois estudos epidemiológicos de alta qualidade suportem a associação. Dados do Brasil e da Polinésia Francesa mostraram uma associação temporal e geográfica entre a infecção por VZIK e o posterior aparecimento de bebês com microcefalia congênita(18-20). Em um estudo conduzido durante o surto no Brasil, 88 mulheres grávidas com rash cutâneo foram testadas para RNA do VZIK. Entre as 72 que tiveram testes positivos, 42 realizaram ultrassonografia, e destas, em 12 (29%) foram observadas anormalidades fetais. As 16 grávidas com testes negativos não apresentaram anormalidades ao estudo ultrassonográfico(21). Apesar de tais estudos demonstrarem importante evidência de relação causal, apresentaram limitações citadas por seus autores(18,19,21), como a falta de controle de fatores de confundimento e o relativo pequeno número de casos, portanto, não cumprindo rigorosamente o segundo critério. O terceiro critério é preenchido quando ocorre um defeito específico ou uma síndrome depois da exposição ao teratógeno. De fato, muitos fetos e bebês com infecção congênita pelo VZIK têm apresentado um aspecto típico, incluindo microcefalia grave, calcificações intracranianas e outras anormalidades cerebrais, algumas vezes acompanhadas de alterações oculares, escalpo redundante, artrogripose e pé torto, levando alguns autores a usar o termo “síndrome congênita pelo vírus Zika”(22,23). Além disso, a presença de escalpo redundante não é um achado tipicamente observado em outras formas de microcefalia. O quarto critério refere-se à associação entre uma exposição rara e o aparecimento posterior de um defeito raro, sendo o conceito deste ponto inferir que é pouco provável que dois eventos raros ocorram juntos e principalmente na cronologia adequada para propor causalidade. A microcefalia é um defeito raro, estimado de ocorrer em 6 a cada 10.000 bebês nascidos vivos nos Estados Unidos(13). Apesar de a exposição ao VZIK não ser rara em mulheres residindo no Brasil durante o surto, houve relatos de eventos adversos nos fetos entre viajantes que ficaram somente um tempo limitado em áreas endêmicas, configurando uma exposição rara(24,25). Num dos relatos, uma mulher europeia apresentou estado febril com rash cutâneo no final na 13ª semana de gestação, enquanto estava no Rio Grande do Norte, região Nordeste do Brasil. Até então não havia anormalidades documentadas em exames ultrassonográficos; no entanto, ao realizar ultrassonografia com 29 semanas de gestação, foram demonstradas inúmeras malformações cerebrais. Depois de abortar a gestação, foi realizada autópsia do feto, sendo examinados todos os órgãos, assim como a placenta e o cordão umbilical, sendo encontrados microcefalia, paquigiria/lisencefalia, hidrocefalia, calcificações distróficas multifocais no córtex e na substância branca subcortical, bem como sinais de inflamação local, e calcificações na placenta. Não havia nenhuma anormalidade patológica relevante nos demais órgãos, sendo somente encontrado o VZIK no tecido cerebral por meio da técnica de RT-PCR, sendo negativo para os demais flavivírus. Havia ainda alta semelhança com a linhagem asiática presente no surto na Polinésia Francesa em 2013 (99,7%)(25). O quinto critério é a presença de teratogenicidade em modelos animais, havendo estudos que demonstram não só o neurotropismo como o potencial teratogênico do VZIK(26-29). O sexto critério é que deve haver sentido biológico na associação, como já está claramente demonstrado, uma vez que outros agentes virais têm efeitos similares, bem como está documentado o tropismo e o efeito deletério do VZIK no tecido cerebral de fetos(24,25). O sétimo critério não é aplicado em agentes infecciosos, sendo utilizado apenas em medicamentos e exposição química. Diante do exposto, de acordo com os critérios de Shepard, há forte evidência para identificar o VZIK como um teratógeno. MANIFESTAÇÕES DA INFECÇÃO CONGÊNITA PELO VZIK As manifestações da infecção intrauterina pelo VZIK são mais graves quando ocorrem no primeiro e segundo trimestres de gestação, principalmente no primeiro trimestre, e variam desde morte fetal até várias anormalidades congênitas, que incluem pele redundante no escalpo e nuca (cutis gyrata), baixo peso ao nascimento, polidrâmnio, anasarca, artrogripose, perda auditiva, assim como malformações oculares e no SNC, com desproporção craniofacial(3,25,30-33). De todas as manifestações congênitas, a de maior impacto tem sido a associação de microcefalia e infecção pelo VZIK, bem documentada no Brasil e na Polinésia Francesa, que apresentam a linhagem asiática do vírus. No Brasil, durante o período de março de 2015 até fevereiro de 2016, durante a epidemia, houve um aumento de 20 vezes nos casos de microcefalia quando comparado com os anos prévios(3). A definição de microcefalia não tem tido consenso na literatura. A microcefalia consiste num distúrbio do crescimento cerebral no qual o perímetro cefálico é menor quando comparado com o tamanho normal esperado para a mesma idade, sexo e raça, podendo ser utilizado como ponto de corte abaixo do 3º ou 5º percentil ou menor ou igual a 2 ou 3 desvios-padrão abaixo da média(31-33). Pode ser determinada por inúmeras condições, incluindo genéticas e infecciosas (rubéola, citomegalovírus, toxoplasmose, herpes vírus, vírus da imunodeficiência humana), assim como exposição a álcool, drogas e outras substâncias tóxicas presentes no meio ambiente. Clinicamente, os pacientes apresentam importante comprometimento neurológico, sendo frequentes hipertonia, espasticidade e convulsões(13,15-17,33,34). A patogênese da microcefalia pelo VZIK não é totalmente conhecida, porém, acredita-se que se inicia com a infecção da placenta. Segundo Noronha et al.(29), proteínas virais foram detectadas em células de Hofbauer e alguns histiócitos nos espaços intervilosos, sugerindo que o VZIK pode danificar a barreira placentária, induzindo uma placentite crônica(29), como observado em ratos(28). Posteriormente, ocorre disseminação para o cérebro fetal, local em que preferencialmente infecta células progenitoras neuronais, diminuindo sua viabilidade e crescimento, resultando numa inibição da proliferação e diferenciação celular e apoptose neuronal, com consequente afilamento do córtex e aspectos macroscópicos de microcefalia(3,30). É ainda sugerido que o processo inflamatório placentário pode atuar em sinergismo com a infecção cerebral pelo VZIK na gênese das malformações cerebrais(32). Apesar do neurotropismo do VZIK, não há até o momento registros de microcefalia em crianças infectadas logo depois do nascimento, fato este possivelmente explicado pelo baixo potencial infeccioso do VZIK em células neurais desenvolvidas(3,32,33). ACHADOS DE NEUROIMAGEM NA SÍNDROME CONGÊNITA PELO VZIK Na TC e na RM, achados comuns descritos na literatura são a redução do diâmetro craniano (microcefalia) associada a uma dramática redução do volume cerebral (microcefalia), sendo mais comum quando a infecção ocorre no primeiro trimestre de gestação, com um risco de 1% a 13%(34-41). A microcefalia pode ser assimétrica e variar de discreta (25%) a moderada/grave (75%)(35). Aparência incomum do crânio, um achado comum na síndrome congênita pelo VZIK e incomum em demais casos de microcefalia, é caracterizada por um aspecto colapsado da calota craniana, com suturas evertidas e ossos predominantes na região occipital, assumindo um formato “em gaveta”, sendo comumente associado a escalpo redundante e dobrado (Figura 1). Tal achado pode ser decorrente, em parte, da continuação do crescimento do crânio e da pele, enquanto o tamanho do cérebro regride, ou até mesmo, em algum momento, pode ter havido um colapso do crânio que até então apresentava dimensões maiores à custa de ventriculomegalia(34-40). Um achado incomum, que sugere esta última hipótese, é que alguns recém-nascidos apresentam herniações da gordura orbitária para o crânio, podendo tal aspecto ser secundário ao processo de deformação abrupta do crânio, em vez de infecção direta do olho, como ocorre em outras infecções congênitas(34).