A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é um problema de saúde pública e acomete um terço da população mundial. Junto com a epidemia de obesidade, a DHGNA tem incidência crescente no mundo todo, atingindo todas as faixas etárias, incluindo crianças, todas as etnias e condições socioeconômicas
(1,2). A DHGNA já é a segunda indicação para transplante hepático nos Estados Unidos
(2).
A DHGNA é um espectro que se inicia com a esteatose isolada, associada a aumento do risco cardiovascular e aumento na incidência de câncer colorretal
(3). Cerca de 25% dos pacientes com esteatose isolada evoluem para esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), uma condição que apresenta maior risco de evolução para hepatopatia crônica. Quanto maior o grau de esteatose, maior o risco de desenvolvimento de EHNA. Dos pacientes com EHNA, cerca de 25% evoluem para hepatopatia crônica, com fibrose, cirrose e risco de complicações, incluindo hipertensão porta e carcinoma hepatocelular
(2,4).
É importante ressaltar que a biópsia hepática ainda é o único método capaz de diagnosticar EHNA
(5). No entanto, devido ao seu caráter invasivo, com risco de morbimortalidade, heterogeneidade de distribuição da fibrose no parênquima hepático, variabilidade de interpretação interobservador e intraobservador, custo e dificuldade de aceitação pelo paciente e médico assistente, a biópsia hepática não é adequada para seguimento dos pacientes com DHGNA, uma condição que acomete um terço da população
(6,7). Dessa forma, métodos não invasivos estão sendo desenvolvidos com o objetivo de diagnosticar EHNA, incluindo biomarcadores sorológicos, que combinam características clínicas, medidas antropométricas e parâmetros laboratoriais e métodos de imagem
(8–10).
Vários métodos de imagem têm sido usados para diagnóstico e acompanhamento da DHGNA, como a ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada (TC), a ressonância magnética (RM) e, recentemente, o
controlled attenuation parameter (CAP), obtido em conjunto com a elastografia transitória e a elastografia por RM. A US tem a vantagem de ser amplamente disponível, mas não tem alta reprodutibilidade interobservador e não é sensível para detecção de esteatose leve. A TC também não é sensível para detecção de esteatose leve e expõe o paciente a radiação, não sendo um bom método para seguimento. A RM é de acesso mais limitado, porém tem alta reprodutibilidade com as técnicas de quantificação de gordura multieco e pela espectroscopia de prótons
(11–13).
O CAP é um método novo que avalia a esteatose hepática de forma quantitativa e tem sido amplamente utilizado pelos hepatologistas, por ser de fácil utilização à beira do leito, que inclui a vantagem de estar associado à elastografia transitória, que mede a dureza hepática. Assim, reúne as informações de esteatose e fibrose em um único método
(11). No entanto, ainda se discute bastante os valores de ponto de corte do CAP, tanto para o diagnóstico de esteatose como para sua gradação, em leve, moderada e acentuada
(14,15). Nos pacientes com DHGNA, os pontos de corte para fibrose, suas gradações e a relação com o escore METAVIR também não estão bem estabelecidos
(15,16). Pacientes obesos e pacientes com ascite também são de difícil avaliação pela elastografia transitória. O uso da sonda XL para realização do exame tem melhorado o desempenho do método nos pacientes obesos
(17).
A elastografia por RM tem a vantagem de avaliar uma área maior de parênquima hepático. Dado que a fibrose tem distribuição heterogênea, a medida da dureza hepática pode sofrer variações que seriam mais bem avaliadas pela elastografia por RM. Da mesma forma que o CAP com elastografia transitória, permite associar a medida da dureza hepática com a fração de gordura hepática. Adicionalmente, o uso de contraste venoso permite a avaliação de todo o fígado, com possível diagnóstico de lesões focais
(11).
Vários fatores influenciam a medida da dureza hepática pela elastografia realizada pela US e pela RM. A técnica do exame é fundamental: o paciente precisa suspender a respiração de forma neutra para as medições, uma vez que a inspiração e a expiração profundas alteram significativamente os valores obtidos. Outros fatores, como jejum inadequado, aminotransferases elevadas, congestão hepática, inflamação hepática e ingesta de álcool também aumentam a medida da dureza hepática. Assim, valores aumentados devem ser correlacionados clinicolaboratorialmente
(11).
No número anterior da Radiologia Brasileira, Silva et al.
(18) apresentam excelente revisão sobre a elastografia por US em pacientes com esteatose hepática, abordando de forma abrangente os diferentes métodos capazes de realizá-la, suas vantagens e desvantagens, concluindo de forma elegante com o que está estabelecido na literatura. Esse artigo chama a atenção para a DHGNA como importante problema de saúde pública e discute o espectro da doença, sua complexidade, dificuldades e possibilidades para diagnóstico.
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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
daniella.parente@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-0031-5785