Beatriz Regina Alvares1; Osmar Henrique Della Torre2; Maria Aparecida Mezzacappa3
RESUMO
Objetivo: Determinar a sensibilidade da seriografia do esôfago, estômago e duodeno (SEED) para o diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) em recém-nascidos prematuros, tendo como padrão ouro a monitoração prolongada do pH esofágico distal, e descrever a presença de anormalidades anatômicas do tubo digestivo. Materiais e Métodos: Foram incluídos no estudo 41 recém-nascidos, com média de 1.243,9 g, apresentando sinais/sintomas de DRGE e resultados alterados na monitoração do pH (índice de refluxo > 10%). A SEED foi realizada logo que as condições clínicas dos recém-nascidos foram estáveis para a realização dos exames radiológicos. Resultados: A monitoração prolongada do pH e a SEED foram realizadas com 49,8 e 66,8 dias de vida, respectivamente. A sensibilidade da seriografia foi de 39,0% (IC 95%: 25,7–54,3%). Refluxo significativo foi observado em 41,4% dos casos, refluxo médio em 44,8% e refluxo pequeno em 13,8%. A SEED identificou apenas um caso de hérnia de hiato. Conclusão: A SEED apresentou baixa sensibilidade para a DRGE em prematuros e não se associou com a gravidade do refluxo, na comparação com a monitoração do pH, sendo, entretanto, útil no diagnóstico de alteração anatômica.
Palavras-chave: Doença do refluxo gastroesofágico; Seriografia; pHmetria; Recém-nascidos prematuros.
ABSTRACT
Objective: To determine the sensitivity of upper gastrointestinal (UGI) series, adopting the 24-h esophageal pH monitoring as the gold standard in the diagnosis of gastroesophageal reflux disease (GERD) in preterm newborns, besides describing the presence of anatomical abnormalities in the digestive tube. Materials and Methods: The present study included 41 neonates with average birth weight of 1,243.9 g, presenting signs/symptoms of GERD and abnormal 24-h esophageal pH monitoring (reflux index > 10%). The UGI series was performed as soon as the infants’ clinical conditions were considered sufficiently stable. Results: The 24-h pH monitoring and UGI series were performed respectively at 49.8 and 66.8 days of life. The UGI series sensitivity was of 39.0 (CI 95%: 25.7–54.3%). The reflux index was significant in 41.4%, moderate in 44.8%, and mild in 13.8% of the cases. Only one case of hiatus hernia was identified by UGI series. Conclusion: Upper gastrointestinal series has demonstrated low sensitivity in the diagnosis of GERD in preterm newborns and was not associated with the reflux severity as compared with pH monitoring. However, it is useful in the detection of anatomical abnormalities in the upper gastrointestinal tract.
Keywords: Gastroesophageal reflux disease; Upper gastrointestinal series; 24-h esophageal pH monitoring; Preterm newborns.
INTRODUÇÃO A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é definida como uma disfunção do esôfago distal, com retorno frequente do conteúdo gástrico para o esôfago, associado a complicações digestivas e extradigestivas como episódios frequentes de vômitos e regurgitações acompanhados de baixo ganho ponderal, anemia, esofagite ou complicações respiratórias(1,2). No período neonatal, esta doença vem sendo mais bem estudada, sobretudo nas últimas duas décadas, apresentado ainda muito aspectos não esclarecidos(3). A investigação da DRGE, no período neonatal, reveste-se de importância significativa, já que esta entidade pode ocasionar sintomas graves em recém-nascidos (RNs), sobretudo nos prematuros, tais como crises de apneia, bradicardia, cianose e vômitos. A DRGE também tem sido associada a complicações tais como pneumonias por aspiração e apneias com aparente risco de vida, prolongando de maneira significativa a internação destes RNs(2,4-13). Embora a monitoração prolongada do pH esofágico seja ainda considerada exame padrão ouro para o diagnóstico, tem como desvantagem o caráter invasivo, o alto custo e a necessidade de pessoal e equipamento especializados para sua realização, não sendo utilizada por estes motivos em muitos serviços(14,15). Por outro lado, a seriografia do esôfago, estômago e duodeno (SEED) apresenta baixo custo, é menos invasiva, bem tolerada, está disponível na maioria dos centros de assistência médico-hospitalar. Além disso, a SEED pode detectar anormalidades anatômicas do tubo digestivo associadas aos sintomas apresentados, sendo o método de imagem convencional para o estudo da DRGE(14,15). O diagnóstico precoce da DRGE e das complicações associadas, em RNs prematuros, reveste-se de fundamental importância por possibilitar melhores estratégias no tratamento desta entidade, podendo encurtar a internação e reduzir a morbidade. O objetivo deste estudo foi estabelecer a sensibilidade da SEED para o diagnóstico da DRGE em prematuros, com manifestações clínicas e monitoração do pH esofágico altamente sugestivas da doença, bem como descrever a presença de malformações congênitas do tubo digestivo detectáveis pelo exame radiológico. MATERIAIS E MÉTODOS O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos da instituição e os RNs foram incluídos no estudo após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos familiares. Foi realizado um estudo descritivo prospectivo em 41 RNs prematuros, internados na unidade neonatal de cuidados terciários, apresentando sintomas sugestivos de DRGE. A idade gestacional dos RNs foi inferior a 37 semanas e todos apresentaram peso menor de 2.500 g ao nascer, variando de 655 g a 2.450 g, sendo 22 (53,7%) masculinos e 19 femininos. Os sintomas da DRGE apresentados pelos RNs considerados como indicativos da monitoração prolongada do pH esofágico distal foram: crises de apneia e/ou bradicardia resistentes às xantinas, vômitos e/ou regurgitações frequentes cursando com baixo ganho ponderal (menos de 20-30 g por dia), apneia com risco aparente de vida, atelectasias ou pneumonias de repetição, necessidade de oxigenoterapia prolongada e piora inexplicada de quadros pulmonares. A monitoração prolongada de pH esofágico distal com 18-24 horas de duração foi realizada por um dos pesquisadores, a critério da equipe médica do serviço, e apenas os RNs cujos resultados da monitoração do pH foram anormais (índice de refluxo > 10%) foram eleitos para participarem do estudo(16). O equipamento utilizado para registro e gravação do exame foi o Digitrapper MkIII (Medtronic Inc.; Shoreview, MN, EUA), utilizando cateteres de antimônio (Medtronic Inc., Shoreview, MN, EUA) posicionados no terço distal do esôfago, na altura dos corpos vertebrais de T6-T7. A posição do eletrodo foi confirmada em todos os exames por intermédio de radiografia simples de tórax. O software utilizado para análise dos resultados foi o EsopHogram software program, versão 5.60C4 (Gastrosoft Inc.; Irving, TX, EUA). Durante o exame os RNs permaneceram em decúbito dorsal horizontal, recebendo dieta no volume de 120-130 ml/kg/dia, cada 4 horas por sonda gástrica. Os RNs deveriam estar, há pelo menos 48-72 horas, sem medicações que pudessem comprometer o resultado do exame, como antiácidos, bloqueadores H2, xantinas ou corticosteroides. A SEED foi realizada assim que as condições clínicas dos RNs foram consideradas estáveis, com baixa frequência de apneias ou dessaturações, e controle térmico adequado em berço comum, apresentando, portanto, baixo risco de transporte para o setor de radiologia. Foram excluídos do estudo os RNs que não puderam ser transportados para a investigação radiológica por estarem em uso de ventilação assistida e os pré-termo com doenças que contraindicaram alimentação por via enteral. A investigação radiológica incluiu radiografias simples de tórax e abdome e SEED. A pesquisa dos episódios de refluxo sob controle fluoroscópico foi realizada após a ingestão oral da substância baritada diluída em soro glicosado ou leite, administrada por meio de mamadeira ou sonda gástrica. A quantidade máxima do contraste foi equivalente àquela que o RN ingeria em uma mamada, sendo estudadas a morfologia e a mobilidade do tubo digestivo alto. A avaliação quantitativa do refluxo ao exame radiológico contrastado foi realizada com o RN em decúbito dorsal, sendo considerados como anormais os exames com mais de três episódios de refluxo até a sexta semana de vida e mais de dois episódios de refluxo acima de sete semanas(17). Para a avaliação qualitativa do refluxo levou-se em consideração a extensão do esôfago atingida pelo material refluído, sendo considerados episódios de pequena extensão os abaixo do terço médio do corpo esofágico, refluxos de média extensão os que alcançaram o terço médio e refluxos de significativa extensão quando acima do terço médio do esôfago. A avaliação quantitativa de episódios de refluxo através da avaliação fluoroscópica intermitente ocorreu durante o período máximo de 5 minutos. Os flashes de radioscopia não ultrapassaram 20 segundos(17). As variáveis descritivas estudadas foram idade gestacional em semanas, peso ao nascer em gramas, tempo de vida pós-natal, em dias de vida, no momento da realização da monitoração do pH e no dia da SEED, e os resultados da avaliação quantitativa dos refluxos pela monitoração do pH, a saber: número total de refluxos, duração do episódio mais longo, número de refluxos com duração superior a 5 minutos e a porcentagem do tempo total do exame com pH esofágico inferior a 4, também chamado de índice de refluxo (IR). Foram considerados anormais os exames com IR > 10% no período de estudo(16). O tamanho da amostra foi baseado na prevalência de sintomas (vômitos, apneia, queda de saturação, bradicardia, broncoespasmo, dependência de oxigênio) identificados em 18 RNs, estabelecendo um erro amostral de 15%. Estabeleceu-se que 41 casos seriam necessários, considerando que foi o tamanho de amostra adequado ao conjunto de sintomas. Foram realizadas análises descritivas das variáveis da amostra mediante cálculo da média e desvio-padrão, valores máximos e mínimos, sendo estabelecido o valor da sensibilidade e seu intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para o exame radiológico contrastado. O teste t-Student foi utilizado na comparação entre a gravidade radiológica e o IR. O teste de Wilcoxon foi empregado na comparação entre os dias de vida em que os dois exames foram realizados. O programa computacional utilizado para a análise estatística foi o SAS versão 8.2. RESULTADOS Dos sintomas apresentados durante o período de internação, a queda na saturação de oxigênio foi o mais prevalente, estando presente em 33 casos (80,5%). Os demais sintomas (mais de um sintoma/sinal por RN) observados foram apneia em 22 casos (53,7%), episódios de vômitos em 17 casos (41,5%), cianose em 15 casos (36,6%), bradicardia em 11 casos (26,8%) e, por último, broncoespasmo, presente em 3 casos (7,3%). A média do IR foi de 24,4% ± 12,1%, variando de 11,3% a 60,9%. A descrição dos parâmetros da monitoração do pH está apresentada na Tabela 1.