Sr. Editor,
Paciente de 17 anos, primigesta, em consulta com 31 semanas de gravidez para avaliação de gestação gemelar monocoriônica e monoamniótica. Ela não possuía avaliação ultrassonográfica de primeiro trimestre. A ultrassonografia (US) morfológica mostrou fetos com união física ao nível do abdome e da pelve, e uma hérnia diafragmática no segundo gemelar. A gestante negava história de problemas de saúde ou uso de medicamentos e drogas ilícitas. O marido, de 25 anos, era hígido e não consanguíneo. Não havia história de doenças genéticas ou malformações na família. A ressonância magnética (RM) fetal revelou um gêmeo fusionado
dicephalus tetrabrachius-dipus. O feto à direita apresentava hérnia diafragmática esquerda contendo estômago, intestino delgado e cólon. O fígado e a bexiga eram únicos. Foram identificados dois rins que se tocavam em seus polos inferiores e duas colunas vertebrais que eram fusionadas ao nível do sacro (Figura 1). A ecocardiografia foi normal.

Figura 1. RM fetal ponderada em T2 mostrando o gêmeo
dicephalus tetrabrachius-dipus. O feto à direita apresenta uma hérnia diafragmática esquerda, identificando-se as estruturas mediastinais (coração e grandes vasos) e hipoplasia pulmonar (A). Visualiza-se também fusão hepática (B).
O gêmeo fusionado nasceu por parto cesáreo com 35 semanas de gestação, pesando 3.765 gramas. Coloboma de pálpebra foi visto no gemelar com hérnia diafragmática. A avaliação radiográfica mostrou fusão das colunas vertebrais na altura da região lombar, além de o gêmeo à direita apresentar alças intestinais na cavidade torácica (Figura 2). A cirurgia da hérnia diafragmática não foi realizada. O gêmeo fusionado faleceu com 17 dias de vida.

Figura 2. Aspecto pós-natal do gêmeo
dicephalus tetrabrachius-dipus (A). Avaliação radiográfica mostrando fusão das colunas vertebrais ao nível de L4 e pelve única. Observa-se a hérnia diafragmática no feto à direita (há evidência de alças intestinais presentes no interior de sua cavidade torácica), sem identificação do coração ou via aérea (B).
A gemelaridade imperfeita ocorre em aproximadamente 1 em cada 250.000 nascidos vivos
(1,2). Ela é classificada de acordo com o local de união dos gêmeos acrescido do termo
pagus(3). Gêmeos "parapagos" (com união lateral extensa) correspondem a 28% dos casos de gêmeos fusionados
(4). O subtipo
dicephalus tetrabrachius-dipus, tal como observado em nosso relato, é considerado raro (4/10.000.000 nascimentos)
(5).
A US mostra-se o melhor método para avaliação inicial na gestação, capaz de identificar gêmeos imperfeitos tão cedo quanto 12 semanas
(1). Porém, está sujeita a limitações, como o biótipo materno da gestante e a presença de oligo ou adramnia. Já a RM revela-se um bom exame complementar, uma vez que não tem essas limitações, fornecendo imagem com maior resolução
(6). Além disso, serve de apoio a um possível planejamento cirúrgico, pois permite a visualização e detecção de lesões não visíveis ou inconclusivas na US
(2). No caso aqui relatado, a RM foi importante, especialmente para a determinação do tipo de gemelaridade imperfeita, da extensão da fusão e do compartilhamento dos órgãos.
Anormalidades congênitas não relacionadas ao sítio de fusão são verificadas em 10% a 20% dos casos de gêmeos fusionados. A hérnia diafragmática, tal como observada em nosso caso, é um dos achados descritos
(7). O coloboma palpebral, também identificado em nosso paciente, é considerado uma anormalidade rara
(8).
Assim, a correta determinação do tipo de gemelaridade imperfeita e da extensão da fusão pode auxiliar na avaliação do planejamento cirúrgico pós-natal e da gravidade do caso. Esta última possui implicações bastante importantes, uma vez que a interrupção da gestação é possível dentro da legislação brasileira para casos com características que impossibilitam a vida extrauterina
(3).
REFERÊNCIAS
1. McHugh K, Kiely EM, Spitz L. Imaging of conjoined twins. Pediatr Radiol. 2006;36:899-910.
2. Denardin D, Telles JA, Betat RS, et al. Imperfect twinning: a clinical and ethical dilemma. Rev Paul Pediatr. 2013;31:384-91.
3. Nomura RM, Brizot ML, Liao AW, et al. Conjoined twins and legal authorization for abortion. Rev Assoc Med Bras. 2011;57:205-10.
4. Spencer R. Theoretical and analytical embryology of conjoined twins: part I: embryogenesis. Clin Anat. 2000;13:36-53.
5. Martínez-Frías ML, Bermejo E, Mendioroz J, et al. Epidemiological and clinical analysis of a consecutive series of conjoined twins in Spain. J Pediatr Surg. 2009;44:811-20.
6. Hibbeln JF, Shors SM, Byrd SE. MRI: is there a role in obstetrics? Clin Obstet Gynecol. 2012;55:352-66.
7. Mackenzie TC, Crombleholme TM, Johnson MP, et al. The natural history of prenatally diagnosed conjoined twins. J Pediatr Surg. 2002;37:303-9.
8. Mansour AM, Mansour N, Rosenberg HS. Ocular findings in conjoined (Siamese) twins. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 1991;28:261-4.
1. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil
2. Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), Porto Alegre, RS, Brasil
Endereço para correspondência:
Dr. Rafael Fabiano Machado Rosa
Rua Sarmento Leite, 245/403, Centro
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